domingo, 19 de maio de 2024

Perplexo

Quando minh' alma
perplexa contempla o infinito do céu estrelado
e o luar bonito;
Quando o ser humano 
é o melhor e o mais cruel dos seres, quando o ódio é consumidor 
e o amor triunfa sobre a dor,
quando sou uma poeira no vasto universo 
mas também uma obra de Deus, perplexo fico.

Quando o bem e o mal se opõem mas nunca se separam, nada entendo. 
Quando loucura e razão, 
vida e morte, amor e ódio, paz e guerra, seca e chuva, mar e terra, se unem e se separam, se odeiam e se gostam, 
me confundo.

Ó Senhor, que é a vida sem ti? 
Se não dor, angústia e sofrimento? 
Porquê é perverso o mundo dos homens!
Como numa cadeia alimentar o mais forte subjuga o fraco, sempre, 
direto, inevitavelmente. 

E neste jeito vamos, como numa batalha tremenda. 
Porque da vida nada sei,
só sei o que posso e talvez acha que saiba
o que não entenda. 
Por que abortado não fui, essa sorte (oh! que pena) essa sorte não tive.
Mas já que no mundo estou, 
caminhando para frente eu vou, enquanto perplexa, perplexa minha alma vive!

Boneca de porcelana

Olho-te. Admiro-te. 
Não percebes o quanto me abalas,
quando perdido fito-te,
ou quando comigo por alguma razão não falas.

És tão bela!
Tão dócil e frágil...
Pareces uma santa de capela, sensível 
porém ágil. 

Sentes que os outros não gostam de ti.
Pode ser que seja verdade.
Mas eu contigo me encantei tão logo te vi,
oh eu sei, não posso ter-te, que crueldade! 

Como tudo que é precioso, já tens dono.
Ainda que me doa querer-te, não seguirei o caminho escabroso 
de pensar roubar-te, 
mesmo que tu me leves o sono.

Tua amizade é o único bem que possuo, 
não vou deixar-te.
Como um ator, atuo,
pois nada sabes (ou sabes?) do penar que a mim cabe...

Um lugar para ti sempre guardarei, linda pernambucana,
em meu peito te carregarei, ó minha 
boneca de porcelana! 

Vestígios

Livros que não li 
filmes que não vi
lugares que não fui
caminhando para onde vai, para onde? 
Como um rio, flui...
Pessoas que não vejo mais 
e nem me despedi,
ficaram para trás 
e nem percebi. 

Lugares onde andei 
chão onde pisei,
foram tantos, já nem sei. 
Há uma parte de mim em vários cantos, 
em cada coisa que amei...

Projetos que comecei e não terminei. 
Histórias que ficaram sem final, 
o que significam, afinal?
Minhas noites mal dormidas,
as conversas jogadas fora,
manias esquecidas 
como relíquias perdidas...

Sonhos adormecidos 
por instantes revividos.
Tudo flui, como um rio ao mar...
Vida perdida, engolida pelo tempo, dissipada no ar...

Idealopolis

Acho que este mundo é pequeno demais 
para mim, não sei se se sou grande demais para ele. 
Mas suas verdades sempre têm um fim,
por isso não gosto de habitar nele.

Tudo se faz com um propósito, uma pretensa finalidade. 
Até a generosidade pode ser um depósito,
esconderijo de oculta maldade.

Quando eu cresci 
descobri o quanto era pequeno e frágil demais.
Nu eu me vi,
jogado ao relento, 
frio sereno, longe de meus ideais!

Vi então o que de fato é,
as coisas como são. 
Recuei, assustado, prostei-me ao chão. 

Mas como viver sem fé,
subsistir sem uma ilusão?
Nem mesmo os bons lutariam se cressem que seu sacrifício fosse em vão...

Quero morar nessa terra
aonde os justos têm voz!
Viver no país das utopias,
que todas as virtudes encerra, ao sabor de fantasias,
a terra onde nascem os heróis! 

Clube dos 27

Dizem que tudo que é bom dura pouco.
Não sei até que ponto, nível ou tom, 
separa o gênio do louco.

Alcançar o sucesso, 
o topo, a glória! 
Num rápido processo 
viver, para depois morrer 
jovem e entrar pra história.

Frutos colhidos antes da hora...
Que talvez por nascerem maduros estavam seguros de que tudo é nada, tanto faz 
o ontem e o hoje, o aqui e o agora...

Viver loucamente ou tentar somente. 
Num êxtase se levar,
num ímpeto que a poucos compete,
e expirar, morrer, morrer aos 27!

Carrinho de bebê

Pequeno veículo 
que carrega um grande ser.
Hoje cabe num cubículo, 
mas logo precisará de espaço para viver.

Chora, mas não sabe o porquê. 
É levado para todo lado
pois de sua mãe não pode ser separado,
depende dela, 
e dela é sua razão de ser.

Mas o que será dele amanhã? 
O que lhe espera, 
após o crepúsculo, breve alvorecer?

Sorrirá, será feliz, 
bom ou mau, me diz, 
o que a vida fará contigo, 
ó bebê? 

Fatos

O mundo é confuso,
a sorte é rara.
O medo é o uso 
do frio que nos encara. 

Pensar, o existir,
o sentimento emitir,
em seus fundamentos raciocinar.

O problema é normal,
o emblema é total,
a falta, 
a pauta geral.

De volta ao medo...
no baú,
no casco do tatu
há um segredo. 

Temos medo do futuro,
de desabar o muro,
de apagar a vela,
de dormir no escuro,
de secar o canudo...

E assim, 
enfim, temos medo de tudo!