quarta-feira, 3 de junho de 2020

Escapismo e fuga

Num dia qualquer ela nasceu
com o pé esquerdo
e ninguém percebeu.
Era noite fria
como jamais se viu,
uma noite de abril.

Ela aprendeu todas as lições
com a sua família.
Sempre soube desde cedo
as sagradas letras,
as santas convicções,
o que fazer pode
e o que não fazer podia.

Ela cresceu bonita e sadia.
Como toda criança
brincava, sonhava, sorria.
Não havia dias maus,
só alegria e esperança,
mesmo na luta, mesmo no caos.

De repente algo mudou.
O azul virou cinza,
o arco-íris ficou sem cor.
Era natal
mas Papai Noel não veio
e presente não deixou.

O que aconteceu,
porque o doce perdeu o sabor?
O que antes a encantava
não mais lhe atraía.
Ela se esforçava
mas não era como antes,
graça seu brinquedo já não tinha,
brincar já não queria.

Agora a menina podia
sem medo ou segredo,
usar o mesmo batom de sua mãe,
e andar de salto alto como sua tia.
Ela já era grande o bastante
pra ser dona do seu nariz,
podia ser o quisesse,
como ela sempre quis.

A euforia durou pouco,
só um instante.
Ser livre não era assim
tão interessante
como de longe parecia.
(Não que ela não soubesse, no fundo já sabia).

Então, ela chorou
quando lembrou
de um tempo tão belo
que para trás ficou.
Ele nunca mais vai voltar,
e pra frente deve caminhar
pois a vida é curta
e não pode parar.

Porém ela sozinha e abandonada ficou.
Desiludida e decepcionada
à tristeza se entregou.
Sentiu-se injustiçada
com a realidade que a cercava,
em como a vida a tratou.

Sorrir muito lhe custava,
a amargura em seu semblante
se podia ver, já se notava.
Era a exteriorização da dor flamejante que por dentro carregava.

Ela sofreu, seu coração morreu.
Pessoas a maltrataram,
dela zombaram,
seu amor desprezaram.
A paixão virou rancor,
o que era sólido derreteu,
o sonho acabou!

Cansada e triste, ela desistiu.
Seu corpo sangrou,
enquanto sua alma sorriu.
Cada corte no pulso,
insano, sem razão,
aliviava um pedaço d' alma,
cicatrizava o coração.

Ela se foi numa tarde fria de inverno.
A paz buscou, sem medo se lançou.
Há quem pense que ela a alcançou,
e quem diga que não (foi pro inferno).
Seja como for, ela partiu,
a bela menina que nasceu
em uma noite fria de abril.

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