quarta-feira, 14 de abril de 2021

Espasmos da mediocridade

I

Eu ainda não entendo como tudo aconteceu. Por mais que me esforce, não consigo entender. Haverá uma explicação plausível para tudo isso? Talvez sim, talvez não...quem o sabe?

Porque em tantos países e lugares fui nascer logo nesse? Porque em tantas épocas e períodos da história tive que nascer no atual século? Porquê não antes ou depois? Porque justo agora? Porque esse dia, esse ano, essa data? Porque sou dessa classe social e não de uma mais elevada, ou mesmo inferior? Porque sou dessa família e não de outra? Porque tive que nascer simplesmente? Isso era realmente necessário? Ou foi um acaso, um acidente como outro qualquer? 

Porque carrego esse nome, essa idade, porque eu sou eu e não outra pessoa? Porque essas experiências, essas lembranças, esses acontecimentos...Porque essas enfermidades, esses medos, esses complexos, essas dúvidas? Porque cada riso, cada lágrima, cada dor, cada emoção...Porquê tudo aconteceu da forma que aconteceu, na ordem exata que aconteceu? Porque essas pessoas e não outras? Porque esse cenário, esse contexto, essa história? 

Tomo um café, escuto uma música, leio um livro, me distraio. Tento não me desgastar com perguntas sem nexo, absurdas como a vida, tão sem sentido quanto a existência. Olho para a minha carteira de identidade, vejo o dia exato do meu nascimento, a data em que vim ao mundo. Rastreio minhas origens, vejo o começo de tudo.

Não posso entender como o meu ser tomou forma, se tornou o que é, resultando no que hoje sou. Infinitos séculos de inexistência foram quebrados por esse ato. Através dele, a harmonia e tranquilidade do não-ser foi rompida, o doce e sagrado repouso do nada foi perturbado repentinamente. O tesouro mais precioso foi roubado, um mistério foi profanado! Nada voltará a ser como antes. Nem mesmo um retorno ao estado original poderia anular tudo o que já aconteceu, nunca se volta puro como se veio. Hoje sou, amanhã não serei mais! Mas deixar de ser não é a mesma coisa que nunca ter sido

Haverá algum propósito oculto por trás de tudo isso? Alguma lição a ser aprendida? Uma missão a ser cumprida? Talvez sim, talvez não...quem o sabe?

II

Sinto o vento passar pelo meu corpo, meus pés tocarem o chão. Saboreio o alimento que com avidez como, sacio a minha sede. Eu estou vivo! A sensação de ser e estar no mundo é deveras fascinante. Por um segundo penso no milagre que há por trás disso. Eu que até pouco tempo atrás não existia e não era nada, aqui estou, escrevendo essas linhas que você agora lê. Eu nasci, ganhei um nome, me tornei alguém. O que será de mim daqui a algumas décadas? Irei à algum lugar diferente ou não irei à lugar nenhum?

Vejo o calendário, sei o limite que posso chegar. Não mais que isso (menos talvez), mas de forma alguma mais do que esses contados e fracionados anos. A absoluta certeza de que não estarei mais aqui quando este limite chegar ao fim, tranquiliza-me e ao mesmo tempo apavora-me! 

Me vem à mente todas as pessoas que já passaram por este mundo. Diferentes rostos, diferentes histórias, diferentes épocas e um mesmo fim. Pessoas que viveram, sonharam, sofreram, amaram e morreram e que hoje não são mais que uma simples recordação. Algumas nem isso! Desapareceram no tempo, junto com a sua geração e todos os que as conheceram, pois não entraram para a história. Apesar disso, foram reais, existiram, viveram e sentiram de fato, assim como eu e você que lê isto. E o que faziam elas? Ora, o mesmo que nós hoje. Embora não pareçam reais para nós, por ser difícil nos situarmos em um espaço tão longínquo ao nosso conhecimento e experiências pessoais, essas pessoas eram reais em sua época, para sua família, na sua geração. A vida era tão real para elas como é para nós. E assim o será para as próximas gerações, enquanto o universo durar. 

A vida recomeça toda vez que alguém nasce, e acaba sempre que alguém morre. Toda vida termina em morte! Tudo envelhece, definha, murcha e por fim perece. Que glória eu posso alcançar se sei que um dia tudo terá fim? Nenhuma conquista ou legado terá realmente valor para mim se eu não puder ver sua importância agora, ainda que possa servir às futuras gerações e meus descendentes. 

Sei que serei lembrado por algum tempo, mas quando meus familiares, amigos e conhecidos tiverem partido também, serei completamente esquecido.

Porque levar tudo a sério demais? A certeza do fim nos dá a medida de nossa insignificância. Daqui a 100, 200 anos não viverei mais, me parece cômico sofrer por qualquer problema, por mais sério que seja, se no fim das contas a morte terá a palavra final...

III

Antes de eu nascer, o mundo já era o que é, e depois que eu morrer tudo continuará como sempre foi. O universo é indiferente à esses fatos. Meu nascimento e morte não significam nada para ele, assim como a minha existência em particular. Se eu não tivesse nascido não teria mudado nada. Minha morte tampouco mudará alguma coisa. Pode-se dizer que se não fossem os vínculos afetivos que construímos ao longo dos anos, não teríamos importância nenhuma para quem quer que seja. Para o cosmos, a vida de um homem é tão irrelevante quanto a de um inseto, bem como sua morte e seus problemas pessoais. 

O que sou eu afinal? Sou uma história com o final já escrito, cuja autoria divido com os dedos do destino. Sou um pó pensante, matéria consciente e animal racional. Sou isto que se encontra suspenso entre o começo e o fim, este intervalo entre duas datas, nascimento e morte.

O resto do mundo é indiferente à minha pessoa e eu a eles. Meus problemas, preocupações, minhas dores, desilusões só dizem respeito a mim, assim como minhas conquistas e vitórias só são importantes para mim. Meu sucesso ou fracasso não afetará em nada a vida dos outros, da mesma forma que o deles nada alterará na minha. 

Porque então sinto como se todos estivessem preocupados comigo? Como se cada ato, cada gesto meu, cada ação minha pudesse impactá-los...como se dependesse de mim o destino do mundo e o futuro da humanidade! Grande presunçoso eu sou! Minha vida só é importante para mim, meus familiares, amigos e conhecidos, se muito.

IV

Por um instante penso em toda a dor que há nesse mundo. Imagino todo o sofrimento, todos os horrores que podem haver nessa vida. Vejo toda a injustiça, toda maldade, toda a crueldade que foi feita debaixo do sol e chego à mesma conclusão do pregador em Eclesiastes: que felizes são os que já morreram e principalmente os que ainda não nasceram! 

Parece que por um segundo toda a história passa diante de meus olhos. Posso ver tudo, acompanho de perto o drama da raça humana ao longo dos séculos. Ouço o grito dos que sofrem, escuto seus gemidos. A cortina cai e todo esse espetáculo torna-se real para mim. 

Desde que Adão e Eva foram expulsos do jardim, a trajetória do homem tem sido uma caminhada penosa em um mundo hostil, a luta pela sobrevivência, pela vida, pela subsistência. Caim nos mostra o que nos tornamos, Abel o que deveríamos ser. 

Quantos crimes bárbaros foram cometidos? Quantos assassinatos ocorreram? Quantos sequestros e raptos foram feitos? Quantas guerras aconteceram até hoje? Quantos soldados morreram em um campo de batalha? Quantos foram feridos em combate e acabaram cegos, loucos, mutilados? Quantos foram presos ou mortos por protestar contra tiranos que governavam seus países? Quantas mulheres foram estupradas, violentadas, subjugadas? Quantas delas os seus próprios maridos mataram? Quantas crianças foram abusadas sexualmente? Quantas perderam a infância trabalhando? 

Quantas pessoas foram escravizadas? Quantas perderam sua liberdade e dignidade por serem "inferiores"? Quantas pessoas morreram vítimas de uma bala perdida? Quantas foram soterradas em um terremoto? Quantas morreram por causa de um furacão, um tsunami, um desastre natural? Quantas foram torturadas, submetidas aos piores tormentos por seus carrascos? Quantas pereceram durante as maiores pestes e epidemias que já tivemos?

Quantas morreram em meio a um naufrágio, um desastre aéreo, um acidente automobilístico? Quantas pessoas foram levadas pelo tráfico humano, forçadas a trabalhar de graça ou a se prostituir? 

Quantos fetos foram abortados? Quantas mães morreram dando a luz à seu filho? Quantos bebês nasceram mortos? Quantos foram abandonados pela própria mãe? Quantas pessoas tiveram uma doença rara, uma deficiência, uma deformidade? Quantas foram martirizadas por confessar sua fé? Quantas morreram de fome, sede ou frio? Quantas pessoas cometeram suicídio até hoje? 

O show de horrores parece não ter fim. Toda situação horrível, angustiante e desesperadora que se possa imaginar ainda será pouco. Um simples vislumbre desses fatos não é suficiente para dar conta de tudo de ruim que aconteceu, acontece e continuará acontecendo aos homens enquanto a humanidade durar e o mundo existir.

V

Chega a ser impressionante a forma como a vida das pessoas é tão tediosa e previsível. Não é difícil prever os atos de uma pessoa nem deduzir o que fará. É realmente incrível como cada um se vê forçado a agir de determinada maneira, compartar-se da forma que lhe é solicitado. O curioso porém, é que poucos percebem isto, entram na dança sem se dar conta e ainda acreditam que estão dançando por vontade própria. 

Quando vou à um supermercado por exemplo, vejo os funcionários que lá trabalham. Não descansam domingos, feriados, quase não folgam. Apesar disso, tentam manter um sorriso no rosto toda vez que atendem um cliente. Volto no dia seguinte e os encontro fazendo a mesma coisa, com o mesmo uniforme. Começam a trabalhar sempre na mesma hora e saem no mesmo horário. O cartão registra a entrada e a saída de cada um. Ao chegarem, dão bom dia, ao irem embora se despedem dos colegas. Vão para casa, jantam, dormem, e na manhã seguinte a jornada recomeça. E assim continua, até que venham as férias ou algum recesso...

Todo este esforço é feito visando alcançar uma quantia exata de dinheiro no fim do mês, o salário. Dinheiro, esse pedaço de papel que move o mundo! Sem ele praticamente nada pode ser feito, e por ele se vive, se mata, se morre...É algo de fato necessário, pois sem ele não se pode satisfazer nenhuma necessidade, quanto mais realizar sonhos!

O funcionário de um supermercado é apenas um modelo. Obviamente, ele não é o único que passa por isto, que participa desta luta diária. Contudo é uma boa representação desse empenho, a batalha pelo sustento e os itens básicos. 

A pergunta que me faço é: eles trabalham felizes? Fazem o que gostam? Gostam do que fazem? Provavelmente não. Se pudessem escolher outra profissão, certamente o fariam sem pensar duas vezes. Mas por não terem oportunidade de escolher, é o que lhes restou para fazer. Claro que não são os únicos, em toda área deve haver um profissional insatisfeito, mesmo que não confesse sua insatisfação. 

No entanto, esta situação que atinge tantas pessoas, nada mais é que uma consequência de um mal maior, o mal necessário que é ter que trabalhar! É difícil acreditar que alguém realmente goste do trabalho. Trabalhar é uma necessidade, não uma opção muito menos uma diversão. É algo ao qual todos precisam se submeter, como um remédio amargo, indigesto mas vital. Ninguém em sã consciência abriria mão daquilo que lhe é mais precioso, o seu tempo, as suas horas, os seus momentos de lazer, para executar todo dia a mesma tarefa, tolerar colegas chatos e engolir desaforos do chefe em troca de uma merreca mensal! 

Se o mundo não fosse movido a dinheiro, se tudo não dependesse dele, se não tivessem contas a pagar, mensalidades, ou se existisse uma forma de conseguir dinheiro sem precisar trabalhar, tenho certeza de que ninguém trabalharia, nem mesmo esses que se gabam de ser trabalhadores e criticam os "preguiçosos". Se isto fosse possível (viver sem dinheiro ou houvesse outra forma de obtê-lo), ninguém se submeteria a essa tortura diária, todos ficariam em casa fazendo o que gostam (lendo, vendo TV, ouvindo música, etc), passeariam a qualquer hora do dia em plena semana, enfim, todos cairiam num ócio total, feliz e consciente.

VI 

Sempre me impressionou a maneira como os homens brigam, discutem, pelejam entre si. Matam-se uns aos outros por banalidades. Nós simplesmente não conseguimos viver em paz! Desde a infância, colocam apelidos, zombam, ofendem o seu semelhante, inventam pretextos para considerá-lo inferior e (o que é pior) fazê-lo se sentir assim. É curioso que embora todos estejam na mesma condição, é próprio do homem criar hierarquias para se diferenciar de seus iguais. O apartheid ocorrido na África do Sul ilustra isto, mesmo hoje tal fato histórico continua sendo uma das maiores vergonhas da humanidade.

A cor da pele, a religião, a etnia, a nacionalidade, o sexo, a classe social, a ideologia, etc, tudo parece servir de desculpa para nos separar, nos dividir, nos colocar em conflito. Esses preconceitos, essas crenças infundadas são a base para a exploração, o massacre, a escravidão, a opressão. Tem sido assim desde o começo da história e infelizmente não deixará de ser enquanto o mundo existir.

Os homens deveriam entender (ou ao menos fazer um esforço) a precariedade de sua condição. Se percebessem as limitações que possuem, os riscos que correm e a fragilidade que é sua vida, talvez não vissem no outro um inimigo, um pária, um ser desprezível, mas reconheceriam nele o seu próximo, o seu semelhante, o seu igual, companheiro de aflição, irmão no sofrimento. Se isto acontecesse, acabariam-se as guerras, os crimes, as opressões, injustiças, crueldades. 

Mas claro que isso é impossível, pois o homem é egoísta e pode fazer de tudo, menos amar o seu próximo e se compadecer dele. O amor ao próximo precisa ser exercitado e aprendido justamente por não ser algo próprio da nossa natureza. O altruísmo é uma virtude por não ser algo comum, já que o egoísmo é o que predomina.

VII

Não há futuro para a humanidade. Fico observando admirado o esforço, o empenho dos humanistas em tentar construir um mundo melhor. É de fato belo acreditar na evolução do homem, é nobre pensar que podemos evoluir, sermos mais solidários e humanos uns com os outros. Contudo, isto não passa de uma doce ilusão, uma utopia a mais dentre muitas. 

O homem é mau por natureza, como dizia Maquiavel. Embora Rousseau acreditasse que ele nasce bom e a sociedade o corrompe, eu não vejo dessa maneira. Ao contrário, penso que se não fosse pela civilização, o mundo seria ainda mais selvagem e caótico do que já é.

É ela que mesmo com suas falhas, imperfeições e limitações consegue impedir que o homem mostre toda sua ferocidade animal, seu egoísmo, sua maldade, sua crueldade. Se mesmo com tantas leis, multas, punições, as instituições não conseguem frear os crimes, as trapaças, as falcatruas, as explorações, os assédios sexuais, subornos, agressões físicas ou verbais, injúrias raciais, imagine se não as tivéssemos? 

Não estamos preparados para a anarquia. Sabemos que o homem sem lei seria o mais terrível dos predadores. Sem medo de ser punido, todos fariam o que bem quisessem, os escrúpulos seriam descartados, a moral jogada fora. Enfim, cairíamos no caos. 

Apesar do homem ser extremamente corrupto, mau, depravado, egoísta, narcisista, egocêntrico e cruel, não se pode negar que o meio em que ele vive colabora fortemente para isso. Precisaríamos de uma sociedade mais igualitária, leis justas e que de fato funcionem, um estado forte que combata a corrupção, a criminalidade, as desigualdades e se preocupe com o seu cidadão. Mas é óbvio que isto não é factível. Os que estão no poder são os primeiros a se corromper. Se não entram corrompidos, saem de lá assim. 

Os patrões nunca se preocuparão com o bem-estar de seus empregados, os políticos não deixarão de roubar os cofres públicos, os juízes corruptos não recusarão suborno, os policiais não pararão de matar inocentes, os garimpeiros não respeitarão os índios nem o seu território, os falsos líderes religiosos sempre explorarão seus fiéis, os caçadores continuarão matando animais em extinção, os desmatamentos continuarão, a usura, as fraudes, o tráfico de drogas, de armas, o lucro do mercado bélico proporcionado pelas guerras, nada disso acabará. 

É incrível como a humanidade não aprendeu nada até o dia de hoje. Todo homem que nasce repete os erros de seu pai, e o filho desse homem repetirá os erros dele e de seu avô. O homem nasce em condições más, desfavoráveis, mas consegue a façanha de tornar a vida de seu semelhante ainda mais insuportável do que já é. Tentar fazê-lo entender ou lhe ensinar bons valores, preceitos morais, dignos, solidários, nobres e altruístas é perda de tempo. 

A maldade que há dentro dele acaba prevalecendo, sendo impossível modificar a sua perversa natureza. Por mais que poetas, filósofos, religiosos, revolucionários, militantes e ativistas tentem aprimorá-lo, ele continuará sendo o que é, o homem é o lobo do homem,  disse muito bem Thomas Hobbes. Claro que há as exceções, mas como a palavra já insinua, são poucas, muito poucas as pessoas que não agem ou não agiram assim, seguindo seus instintos ferinos e atrozes e demonstraram algum tipo de amor e empatia pelo próximo. 

A única salvação possível da humanidade seria a extinção voluntária da raça mediante a decisão racional pelo antinatalismo, mas evidentemente isso é apenas uma utopia a mais, dentre muitas...

VIII

Acredito que a vida foi projetada para ser boa. Não nego que haja coisas belas e agradáveis nela que são capazes de nos fazer sorrir, nos alegrar. Ver uma borboleta, sentir o aroma de uma flor, subir em uma árvore, ver o pôr do sol...A questão é se estas coisas são suficientes para compensar nosso esforço, todo o empenho que precisamos ter para viver a vida...Não seria o preço que se paga para viver demasiado alto e o retorno pouco satisfatório? Será que ao nascer não fazemos um mau negócio trocando a paz e a tranquilidade que antes tínhamos por penas, dores, cansaço, angústias? A vida é bela apesar de tudo? 

Se fizermos algumas considerações sobre a vida veremos que ela não é tão boa quanto pensamos ou desejamos que seja. O que acontece é que sempre tentamos ver o lado bom das coisas, ainda que o mau seja visível e predomine.

Já nascemos com prazo de validade, temos que trabalhar para viver. Suportamos inúmeras enfermidades. Vamos envelhecer e por fim morrer. Além disso, não pedimos para nascer e encontramos um mundo muito injusto. Temos muitas necessidades e obrigações e pouca diversão e satisfação. Não é possível viver sem preocupações e problemas, sejam eles econômicos, sentimentais e de saúde...Não temos o controle de nossas vidas, não podemos prever infortúnios, doenças e não sabemos quando vamos morrer. Queremos escrever nossa história, mas isto não depende só de nós. Muitas vezes as circunstâncias mudam nossos planos e projetos e temos que nos adaptar à situação. Não temos certezas absolutas e não sabemos em quê acreditar. 

Não obstante os riscos sem fim aos quais estamos expostos, as dores que sentimos, as decepções que temos, os incessantes combates que travamos, as calamidades que vemos, ainda somos capazes de sorrir, de sonhar, de ter por algum momento instantes de alegria que parecem anular e nos fazer esquecer tudo de ruim que passamos. Esta é a sina do homem! Contentar-se com porções fragmentadas de satisfação, as pequenas doses de felicidade que recebe. Ele vive para isso, vive por esses segundos que fazem o mundo parar de girar, quando todas as mazelas são esquecidas e todo o resto deixa de ter importância. 

O homem é sem dúvida um herói, pois mesmo conhecendo o seu destino, luta bravamente contra ele e tenta fazer cada segundo da vida valer a pena. Vive como se não fosse morrer nunca, mesmo podendo morrer a qualquer momento! Apega-se à sua vida sabendo que um dia irá perdê-la, ama-a, mesmo sendo ela a fonte de toda a sua dor! 

Como se vê, a vida não é bela nas condições que temos para existir, porém o homem faz dela algo grandioso por moldá-la e vivê-la intensamente apesar de todas as dificuldades.

IX 

Sonhar com a felicidade é o mesmo que acreditar em fadas, duendes, unicórnios, penso eu. São coisas belas e fascinantes, mas que simplesmente não existem. Por mais encantadoras que possam ser, não são reais. Eu até posso acreditar nelas, mas não devo esperar nenhuma prova de sua plausibilidade. 

Quem sonha com a felicidade num mundo como esse, numa realidade como essa, ilude-se, engana-se. Quando puder ver finalmente o que a vida é de fato, cairá em uma profunda angústia, decepção, desilusão. Não é melhor se preparar psicológicamente para encarar os fatos, ao invés de criar um mundo de fantasias, incompatível com o mundo real, tão visível e óbvio? 

As pessoas procuram razões para viver e criam condições para ser feliz. Pensam que se forem bem-sucedidas no amor, no trabalho, tiverem posses, uma família, um corpo perfeito, status social, etc, ficarão satisfeitas. Mas ocorre que não conseguem alcançar o que querem ou quando alcançam se frustram por ver que nada disso pode satisfazê-las, bem é aí que está o problema. 

Não devemos buscar razões para viver nem fazer do outro a nossa razão de viver. Isso é um erro. Nossa razão de viver deve ser nós mesmos, e o motivo: a própria vida. Porquê senão seria como construir um castelo de areia que pode ser desfeito a qualquer momento, na primeira onda do mar. O homem deve aceitar viver em qualquer situação, sob qualquer circunstância, não deve desejar ser feliz o tempo todo, tem que estar pronto para o pior enquanto espera o melhor. Se não for assim, na primeira dificuldade que tiver ao longo da vida, ele se decepcionará e ficará triste. Tem que entender que aqui não é um parque de diversões onde estará se divertindo o tempo inteiro. 

Se alguém não tiver isto em mente, não entenderá o real motivo de seu sofrimento e chegará à conclusões equivocadas sobre si mesmo. Aí dará margem à vícios, transtornos mentais e vários sentimentos nocivos. Se há uma coisa que todos precisam entender é que ninguém fez nada para estar sofrendo, não têm culpa nisso. Basta sair à rua, ler um jornal, estudar um pouco de história e ver que o sofrimento e a dor (diferente do gozo e da alegria) são universais, atingem a todos indiscriminadamente. Ainda que não seja na mesma intensidade (uns mais repetidamente e em maior proporção), o fato é que ele atinge a todos sem distinção, todos os seres vivos o experimentam. Todas as criaturas gemem, choram, rastejam, clamam por sua libertação. O mundo é um paraíso perdido, um vale de lágrimas, só não vê quem não quer. 

Todos carregam a sua cruz, escondem seus medos, lidam com as suas frustrações, seus traumas, suas angústias, suportam suas doenças, dores e incômodos. Olhando de fora talvez não notamos, mas só a pessoa que sente é que sabe. Temos o costume de achar que a vida do outro é melhor que a nossa mas não sabemos como é de fato. 

Você não fez nada para estar nessa situação ruim, não é culpa sua. Pouca coisa está no seu controle. Você não pode ter tudo o que quer, ainda que queira tudo o que não pode ter. O que você fez de errado afinal, para se sentir assim tão infeliz? Nada, você simplesmente nasceu! 

Tente pensar em uma casa com goteiras: você coloca um balde aqui, outro ali, mas sempre têm água caindo por algum buraco. Você tapa um mas outro continua pingando, molhando a casa e fazendo todo os seus esforços parecerem inúteis. Por mais que você tente tapar todos os buracos, não consegue, pois são muitos e sempre fica um a ser coberto. Sua alegria de ter conseguido tapar um buraco e parar a goteira é anulada rápidamente quando percebe que têm outros buracos a serem cobertos. E assim continua a sua luta, épica mas utópica...

É isto que acontece com nossas vidas: a prefeita harmonia de todas as áreas dela é quase impossível. Podemos estar bem de saúde e frustados no amor, podemos estar bem de saúde e realizados no amor mas passando por dificuldades financeiras...Geralmente temos que lidar com alguma falta, a plenitude que poderia nos levar à felicidade plena não ocorre, estamos sempre tapando alguma goteira em nossa vida sem que alguém perceba...

O homem só será pleno na morte, pois somente morto não sentirá mais falta de nada.

X

Acho engraçado como tentam nos fazer ver o lado bom das coisas nos mostrando exemplos de superação. É sem dúvida admirável que algumas pessoas tenham conseguido superar seus problemas, transpor suas barreiras, driblar seus obstáculos e ultrapassar suas limitações. No entanto, tomar esses casos como referência é ignorar que as exceções não são a regra, o que serve para um não vale para todos, "cada caso é um caso" digamos assim. O fato de que uma pessoa tenha dado a volta por cima, vencido um desafio ou aprendido a conviver com uma doença, uma limitação, uma perda que teve, não faz com que todos sejam capazes disso, ou pelo menos não obriga os demais a terem a mesma força, a mesma motivação, a mesma paciência. Cada pessoa é única, e mesmo passando pelas mesmas adversidades, é diferente a forma como cada uma reagirá. 

Mas não só isso, devemos ter em conta em primeiro lugar a inutilidade do sofrimento. A idéia de que se pode aprender ou extrair alguma lição dele é uma doce ilusão que criaram para poder se consolar pelos reveses que sofrem, como se fossem ser recompensados por isto. 

Tudo que a vida rouba ela não devolve, tudo que ela tira ela não repõe. Quem sofre um agravo, uma injustiça, não deve esperar ser indenizado por isso. Nossos anos de luta não serão substituídos por outros de glória, pode até ser que isto aconteça, mas não há nenhuma garantia. 

Tudo o que conquistamos tardiamente, outro logrou conquistar mais cedo e não teve nenhum prejuízo nisso. Tudo o que alcançamos com dificuldade, outros conseguiram fácilmente e não tiveram nenhum dano. O que para alguns foi negado, para outro veio em dobro, triplo, mais do que precisava. O que em alguns falta, em outros abundam, sobram a ponto que se desperdiçam. 

Alguém que nasce com uma deficiência, sofre a perda de um de seus sentidos ou tem suas funções afetadas por um acidente, uma doença, ela não poderá executar suas tarefas mais básicas com a mesma facilidade que uma pessoa normal, não terá a mesma independência e autonomia. Estará condenada a passar o resto de sua vida nesta condição. Se ela já tiver sido normal, sentirá saudade da época em que não era afligida pelo problema. Se nunca foi, viverá na curiosidade de saber como é ter essas funções normais, tão naturais aos outros mas que à ela lhe foram negadas. 

Os casos de superação servem de aprendizado por mostrar o quão importante é a força de vontade, a resiliência, a paciência e a perseverança. Apenas isto. Mas não que exista uma vantagem real no sofrimento, ou que o sofredor será de alguma forma gratificado por tê-lo suportado. Não! O pobre não possui nenhuma vantagem sobre o rico, o feio sobre o belo, o doente sobre o são, o burro sobre o inteligente. 

Evidente que àqueles a quem a natureza dotou de dons e a sorte foi mais favorável não têm do que reclamar. Afinal, se todos tem que passar pela vida, temos que viver, que lucro há em termos uma passagem dolorosa, difícil, cheia de privações, dores e dificuldades, se outros tem uma passagem pelo mundo mais agradável, suave e tranquila? Quem aproveita mais a viagem: os que estão na primeira classe ou na terceira? Creio que não é necessário responder.

XI 

Toda vez que vejo uma mulher grávida, com um recém-nascido nos braços ou mesmo uma criança pequena, fico pensando no que a pobre criatura terá que enfrentar. Assim como há anos atrás não imaginava que tramavam contra ela planejando colocá-la no mundo, ela tampouco imagina o que lhe espera quando crescer. É bom que não desconfie, pois pelo menos em seus primeiros anos é lícito desfrutar de paz, já que quando for mais velha, isto não será possível...Se alguém não for feliz na sua infância, em qual outra fase da vida será? 

Nós que já crescemos sabemos o que acontecerá. Conhecemos o desenrolar da história, e dificilmente diremos que um futuro glorioso os espera, a menos que não sejamos honestos. 

Pobre do pai ou mãe que espera colocar um gênio no mundo! Que sonha que seu filho se tornará grande, que contribuirá com o progresso de seu país e o enriquecimento cultural da humanidade! Como os pais tendem a superestimar os filhos, é natural que pensem assim. Acontece, porém, que entre desejar algo e obter o que se deseja, há uma enorme diferença. 

Os pais que criam grandes expectativas para seus filhos, demonstram antes de mais nada sua ignorância quanto à individualidade dos mesmos, e ainda uma visão distorcida da realidade. Que um pai deseje o melhor para a sua cria é perfeitamente compreensível, mas que o mundo queira dar esse melhor à ele, que consiga alcançá-lo é outra coisa. 

Acredito que muitos pais se arrependem de ter tido filhos quando vêem que estes não estão trilhando o caminho que sonharam para eles ou estão sofrendo, sendo impossível ajudá-los em suas aflições. Poucos pais teriam coragem para admitir isso, mas a insensatez do ato reprodutivo só vem à tona quando finalmente os "projetos" falham, e por alguma razão interna ou externa não alcançam o resultado esperado. Um pai jamais pedirá perdão ao filho pelo erro de tê-lo colocado no mundo, mas se compadecerá fortemente quando o vir passando por dificuldades e sentirá o seu grau de culpa (ainda que indireto) nisso. 

Não vale a pena gerar uma nova vida quando se sabe de antemão o que o novo ser terá que passar. Ter filhos é o mesmo que dizer que achamos a loucura da vida, a maldade do mundo e o sofrimento inútil como coisas normais. É compactuar com um crime, é ser cúmplice da dor e patrocinador do sofrimento. É contribuir indiretamente com tudo isso, tendo por base apenas um capricho egoísta e desnecessário. A única maneira de não passarmos esta bomba para frente, este peso, esta carga que é viver e esse problema que é existir, é não tendo filhos! Custa muito entender isto? É tão difícil morrer sem deixar descendentes? Por quê essa ânsia de procriar-se, esse desejo infundado?

Que um animal se reproduza é compreensível, o instinto os impele à isso, o que não admito é que os homens tenham filhos apenas por ter, que tomem uma decisão tão séria e crucial sobre a vida de outra pessoa sem sequer refletir antes. Isto me indigna sobremaneira, me enche de raiva! Se tudo o que fazemos devemos pensar bem primeiro, pesar as consequências, o que dizer de uma decisão envolvendo a vida de outra pessoa, sem o seu consentimento? 

Nós que já nascemos e estamos aqui sabemos bem o que acontecerá com a nova criatura que está por vir. Temos consciência das lutas que terá que travar, dos dilemas que terá de lidar, das injustiças que sofrerá e de tudo que experimentará. Se mesmo assim decidimos ter filhos sabendo de todo o sofrimento e dor que eles enfrentarão, estaremos nos responsabilizando por isso. Seremos culpados das angústias do novo ser, seremos partícipes da sua infelicidade! 

O fato de que não tenhamos podido evitar o nosso próprio nascimento não justifica que tomemos friamente a decisão de ter filhos. Isto é, o nosso nascimento é algo que não estava no nosso controle, mas o de outrem está. Eu não pude escolher se queria ou não nascer, mas agora que estou aqui e sei bem como a vida é, posso pensar se quero ou não continuar com isto, tenho o poder de decidir. Posso muito bem parar essa corrente insana usando a razão e o bom senso, ignorando um irracional instinto biológico que trará consequências negativas à outra pessoa a longo prazo.

XII 

A única coisa que iguala os homens é a morte. Isto é o que todos têm em comum. As condições de cada um, os obstáculos, os desafios, assim como as experiências, são completamente diferentes. Não há justiça na vida nem igualdade na raça humana! Embora a vida seja uma guerra que todos são convocados a lutar, nem todos entram no conflito preparados, muitos já vêm desprotegidos, frágeis, em desvantagem. Mesmo assim tem que lutar, pois nada vem de graça, a não ser os problemas que nos alcançam sem precisar fazer nada, nos atingem apenas por existirmos! 

É muito comum compararmos a nossa vida com a de outros, principalmente quando estamos insatisfeitos. Mas nos esquecemos que não somos a outra pessoa, somos nós mesmos, gostemos ou não. O outro não teve a educação que eu tive, não teve as mesmas oportunidades, não passou pelas mesmas experiências e tampouco vê a realidade da forma que eu vejo! Toda vez que me sinto tentado a me comparar com o outro que aparenta estar melhor do que eu, acabo me esquecendo disso e sofro. Não deveria ser assim. O que o outro têm em comum comigo é o fato de estar na mesma precária condição, exposto aos mesmos perigos, lutando pelas mesmas coisas e tendo problemas similares, apenas isso. Para que eu pudesse me comparar com ele ou permitir ser comparado, precisaríamos ter tido histórias idênticas, mas não é assim. Cada um têm uma história de vida que em nada se iguala a do outro, é única, por mais parecida que seja. 

Da mesma forma que não devo me comparar ao outro, também não posso dizer que o entendo realmente. Eu até posso ter uma noção do que ele sente se já tiver passado pela mesma situação, mas nem assim poderei compreendê-lo com exatidão. O que para mim pode não ser nada, para outro pode ser o fim do mundo, o fim da linha, a gota d' água. Eu precisaria ver as coisas da forma dele, pela ótica dele, pensar como ele, para saber realmente como ele se sente...Mas claro que eu não posso ser outra pessoa e ninguém pode ser eu, por isso comparações são incorretas, e minha empatia, por maior que seja, nunca alcançará a dimensão do tamanho da dor do outro. 

Sendo assim, não há um padrão na vida. Nem mesmo na morte há! As diferenças já começam no nascimento, com uns nascendo em melhores condições que outros, percorre a vida através das diferentes experiências (boas ou ruins) que todos passam em ordem/quantidade alternada e desigual, e termina na morte, quando uns morrem jovens e outros velhos, uns têm uma vida curta e triste, outros uma vida longa e feliz. Uns conseguem o que querem com grande facilidade e espantosa rapidez, alguns demoram mais e outros não conseguem nunca. Uns colecionam vitórias, outros fracassos. Uns vão de conquista à conquista, outros de desgosto à desgosto. Um é atingido por um raio, enquanto outro acerta na loteria...

Toda experiência é única para cada pessoa, assim como a própria vida que é de fato uma só, pois só se vive e morre uma vez. Você só terá a idade que têm (seja ela qual for) uma vez. Você só viverá tudo o que vivenciar uma vez, não poderá reviver tudo o que aconteceu por mais que queira. Tudo o que passou é algo que já não existe e que sobrevive apenas na nossa memória. O prazer tão logo se acaba parece nem ter acontecido, precisamos renová-lo constantemente pois nos esquecemos do que sentimos assim que a agradável sensação chega ao fim. Há pessoas que nunca mais voltaremos a ver, serão apenas fantasmas em nossas recordações, ficarão, se muito, registradas em uma simples foto. O presente minuto que você gastou lendo isso não voltará mais, assim como os anos que já se passaram, quer tenham sido bem vividos ou não. 

Não se vive como se quer, mas como se pode. Se dançar conforme a música é a nossa sina, temos que aprender a apreciar a melodia! Percebe-se que quanto mais bem ajustado, conformado e alinhado com as exigências desse mundo e as metas dessa vida um sujeito estiver, melhor lhe será. A arte da sobrevivência, a socialização, a sedução, a aprendizagem, quanto mais desses recursos um homem dominar, melhor irá e mais fácil e leve lhe será a vida. 

O que domina a arte de viver, é o maior de todos os artistas. Inteligente é quem sabe ganhar dinheiro, diz meu querido pai. Aquele que está muito ocupado vivendo não têm tempo para refletir sobre a vida! Melhor assim, assim deve ser! Temos que compactuar com a torpeza da vida, a banalidade dos homens e rirmos de nossas misérias! 

Nossas ações, por mais incríveis que sejam ou possam parecer, são apenas reações que tomamos sem perceber ao que nos é pedido, não notamos nossa caricata maneira de se comportar, quando estamos agindo em conformidade ao que nos é exigido. 

Nossas ações não passam de espasmos, Espasmos da mediocridade.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Cinzas


O vento espalha as cinzas 
que um dia o fogo queimou. 
Na verdade, nada mais são que restos 
de algo que um dia esteve de pé 
e que agora, um simples dejeto é. 

Cinzas de papel, roupa ou objetos! 
O que de fato importa? 
Sombras são de algo que houve, como alguém que ali esteve a bater à porta. 

Muito querida e estimadas essas coisas foram e até hoje são. 
Mas do que foram elas, não se vê mais nada, 
além dessas cinzas no chão. 

Igualmente, quisera eu verter-me em cinzas, sim, 
aos poucos dissolver-me, lentamente em vão. 
Pois do homem que um dia fui, já me tornei cinzas,
e queimou-se por inteiro, 
oh! queimou-se meu pobre coração!

Silêncio


O silêncio é tão assustador, 
não ouvir um só ruído,
um tiro, coçar de prurido, 
não é legal, nem um pouco, não senhor. 

Tudo se congela quando nada se ouve.
As vozes da mente sã, demente, despertam, falam. Quando todos se calam, o espírito no homem se move. 

Sons inaudíveis saem 
quando nem se podem ouvir as folhas que caem, 
a sirene da Samu, da polícia, ou o simples estalo da gordura ao fritar a linguiça.

O silêncio é tão macabro 
pois após ele não se sabe o que há de vir. 
É uma cauda, um rabo 
do fim de tudo que se deu a discutir.

É o silêncio pai de todas as vozes. Nele, na mente se constroem, contorcem, destroem, palavras belas ou atrozes. 
O silêncio é um mistério, um dom etéreo do humano ser.

Todas essas constatações inúteis, fúteis,  
estive eu no silêncio a fazer!

À infância perdida


Tudo passou tão rápido - um sonho! 
Tudo mudou de repente - desilusão. 
Não percebi o que aconteceu - perplexidade. 
Correr quero atrás do que perdi - sagacidade. 

Suave brisa da manhã, doce encanto! 
Desapareceste nessa correria vã, só me deixaste de ti a saudade e o desencanto. 

Não poderei recuperar-te, nunca mais! 
Desde que te foste, a nostalgia não se desfaz. 

És bela lembrança 
de um idílio, uma esperança. 
Como queria ter-te outra vez, ó minha paz!

sábado, 10 de abril de 2021

Desencanto


Agora eu entendo
tudo o que eu nunca entendi. 
Sinto na pele o que outros sentiram, 
estou pagando por um crime que não cometi. 

Dizem que estamos no caminho do progresso. 
Não creio nisso. 
Estamos em constante evolução e eterno retrocesso. 

Todos nós vamos sumindo aos poucos 
nesta fábrica de loucos. 
Já não sabemos quem somos
nem pra onde vamos, 
apenas caminhamos. 

Juventude não é sinônimo de felicidade. 
Estamos sós, abandonados na floresta, 
perdidos na grande cidade.

Felizes aqueles que tão cedo partiram 
e com isso não viram
uma versão má de si mesmos!
Talvez este seja o segredo
para se evitar todo desgaste, 
tanto esforço vão 
e tiro à esmo.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Não


Não tenho porquê sorrir, 
não tenho porquê chorar, 
não tenho pra onde fugir, 
não tenho motivos para viver, não tenho razões para morrer. 

Não há porquê continuar, 
não há porque se matar. 
Não há pedras demais no caminho, não são tão poucos assim os espinhos, não há porque se calar, 
não há assuntos a tratar. 

Não há sorte, 
não há azar. 
Não há luto, 
não há vida, 
não há morte, 
não há do que lamentar, 
não há do que se orgulhar.

Não há crime, 
não há justiça. 
Não há frango, quiabo, linguiça. 
Não há ódio, 
não há ganhador, 
não há pódio, 
não há amor. 

Não há fumaça, 
não há fogo. 
Não há janela, 
não há vidraça, 
não se tem príncipe, 
não há ogro. 

Não há beco, 
não há saída. 
O vinho não é fresco, 
velha também não é a bebida. 

Não há polícia, 
não há ladrão. 
Não há rodovia, 
não há carro, 
não há contramão. 

Não há sogra, 
não há cobra, 
não há nora, 
não há prima, 
não há passado, presente ou futuro, 
não há mais rima. 

Não há luz, 
não há escuro. 
Não há lucidez, 
por sua vez não há loucura. 
Não há muro, 
não há tijolos, não há textura. 

Não há nada em lugar algum! 
Sim, há de tudo em todos os lugares, de tudo meu camarada, em lugar nenhum! 
Há nessa vida de tudo um pouco, 
gigôlo, metrô, louco, 
mulher desquitada! 
Sim, há de tudo um pouco,
de declamar isto já estou rouco, não há um pouco de nada.