domingo, 6 de novembro de 2022

O artista



Quanto pode durar um simples instante?
Quem pode fazer do fugaz e trivial algo belo e singelo,
e do banal importante?

Como transformar emoções
em obras geniais,
despertando sensações
naqueles que se deparam com as tais?

Artista, és tu este portador,
fruto raro entre os mortais,
nasceste para ser o receptor
das inquietações de teus iguais!

Nômade errante, vagas incerto
pintando com as cores da tua alma tudo aquilo que te aflige e te tira a calma.

Vives só, no teu árido deserto, és inconstante mas não distante, te preocupas tanto com o que não podes mudar,
às vezes permites cair o pranto
e num lamento chorar.

Mas tu não morrerás como os demais, ainda que deste mundo fazes parte.
Eternizaste o comum,
materializando o real de forma incomum,
deixaste obras atemporais,
para sempre viverás na tua arte!

Tiroteio na escola


Muitos desaforos tolerados,
tantos insultos injustamente lançados, não podia ficar impune.
Tudo o que vai volta,
toda ação têm uma reação
e contra ela ninguém está imune.

Vocês mexeram com a pessoa errada
e vão descobrir isso tarde demais!
Não é correto dizer que alguém é inútil e não vale nada, isto nunca se faz.

Absorvendo tudo o que é fútil,
vocês se acham os tais.
Zombam dos seus colegas,
desprezam os diferentes,
estranhos e "anormais".

Logo vocês verão que todos são gente,
na dor somos iguais.
Mas não terão pra onde correr,
só lhes restarão lutar para viver,
se conseguirem sobreviver!

Todo mundo é valente com uma arma na mão,
mas todos são covardes quando ofendem o próximo sem razão!

Vocês criaram um monstro e agora terão que suportá-lo.
Ele está aí, atirando pelos corredores da escola,
cheio de ira,
é tarde para dar-lhe flores
ou tentar lhe encher a bola.
Qual dos valentões que o humilhavam, empurravam e socavam, quem vai enfrentá-lo?

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A porta



Há uma porta que leva para ninguém sabe onde.
Há uma porta que quando nela batem ninguém responde,
há uma porta que todos vêem
mas ninguém sabe que mistérios esconde.

Ela está sempre aberta
porém ninguém nela quer entrar.
Ela é pontual e certa
para na nossa estrada cruzar.

Dizem que quem nela entrou
o caminho de volta jamais trilhou.
Tudo o que nela entra
dos seus domínios nunca sai.
Ela arrebata à força,
o que nela adentra, afunda
sem saber para onde vai.

Ela não têm endereço fixo,
não têm localização,
dia ou hora certa.
Ela não têm prefixo,
está em todos os lugares,
aparece nos mares,
surge nos ares,
é eclética e democrática,
seu tamanho é colossal,
sua entrada é universal.

Esta porta a todos assombra,
todos a temem,
embora a todos acolha.
Não adianta dela fugir,
ela nos há de seguir,
atravessá-la não é uma escolha.

Desde o começo estamos
fadados a atravessar esse portal.
Dia após dia à ele avançamos
numa marcha acidental.

Há uma porta que leva para ninguém sabe onde.
Há uma porta que quando nela batem ninguém responde,
há uma porta que todos vêem,
mas ninguém sabe que mistérios esconde.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

In memoriam


Oh! Que grande paz me produzis, vós que nestas lápides repousais 
e sossegados dormis,
quietos e saciados estais.

Já não conheceis o amor e o ódio, a dor e o medo.
Como um campeão que após longa luta chega ao pódio, assim para vós encerrou-se a labuta, 
e desvendastes o grande segredo.

Acabou a longa caminhada que fizestes por via acidentada.
Tudo de uma vez em poeira se desfez, 
conquistas, glórias, perdas e fracassos 
para o sepulcro foram - deram em nada! 

Sem despedidas, adeuses e abraços,
alguns de vós partistes
e repentinamente desta vida saístes.
Outros, pouco a pouco perecestes, muito sofrestes, tivestes grande agonia, até que caístes na fatal letargia.

Indiferentes ao bem e o mal, a paz e a guerra,
no solo repousais,
herdastes o pó da terra.
Conhecestes uma paz transcendental,
finalmente descansais. 
Estais agora quietos, 
deitados e submersos,
e sossegados dormis,
dormis o sono dos séculos! 

terça-feira, 17 de maio de 2022

Ascendência


Me diga de onde vens,
de que lugar, que forma tem,
qual a cor do teu sangue, 
azul ou verde, qual a tua gangue, a tua sede. 

Quem são os teus pais, 
são vivos, se mortos 
em que cova jazem?
És tu mais um perturbado 
que anda pelado,
és navio sem cais?

Qual a tua maldita, bendita, 
louca, desgraçada, infeliz, 
desvairada ascendência? 
Tua parentela é normal, 
faz tudo como manda o figurino, 
do vô ao menino é formal, 
tens de tudo isso ciência?

Tens sangue de nobre ou plebeu? 
Em tuas veias finas, tortas, 
mortas e feias, 
corre cobre ou ouro,
o que tens, Bartolomeu?

Dá-me tua árvore genealógica 
que eu descubro a tua lógica,
absurda, inexata, bizarra, 
abstrata, eu saberei dizer-te tudo meu rei!

Verei através da tua raça 
o teu destino, tuas doenças, 
vícios, sapiências, sorte, desgraça.
Então saberás que assim como
faz-se da pipoca o milho,
há mesmo verdade de pai pra filho!

Tuas chances de sucesso,
de êxito ou regresso (dizem),
nisso aí estão. 
Se tu nisso crês,
o problema é teu,
um mesmo anel não vale 
pra todos os dedos da mão! 

Sê tu mesmo, 
se o teu pai foi linguiça, 
sê torresmo,
não fracasses como ele,
ao menos inventes uma merda diferente então!

2017


Os olhares estão tristes, 
pedindo ajuda.
Nas cabeças os problemas 
insistem em assolar os pobres coitados, 
que Deus nos acuda!

Há pobreza e miséria em todos os cantos, a escassez é geral.
Por hora não há muita esperança, 
por sua vez é normal que haja prantos, pois o desemprego é total.

Os trabalhadores procuram serviço mesmo assim,
formam-se filas enormes,
eu também numa delas me vejo, também passo por isso,
pobre de todos, pobre de mim!

Mudou-se o presidente,
mas não a situação. 
De nada adiantou o golpe, 
permanecemos descontentes, 
a recessão continua, 
a crise só piorou!

Fala-se em reforma da previdência,
em direitos perdidos. 
Não é de se estranhar, 
para o brasileiro sofrer é a norma, 
vítima de governos bandidos. 

Não há perspectivas de melhora para o Brasil! 
Quem poderá nos salvar de toda a corrupção, toda a falência, pobreza, 
quem sabe talvez só uma guerra civil?

Assim está a nação, assim estão os pobres!
Procurei retratar com eficiência o quadro atual, 
do qual só escapa em parte o burguês, a elite e os nobres!

Como é duro pesar sobre nós 
o jugo da história! 
Como é ruim assistir a tudo isso, a toda essa vergonha e inglória! 
Para esse filme não quero reprise, não há necessidade 
de vermos outra vez 
tamanha dificuldade, absurdo, 
disparidade, nunca mais, 
por nada, outra econômica crise!

Vale dos suicidas


Todos os fracos, pusilânimes, 
covardes, juntos, reunidos então. 
Como bons amigos, 
que na morte buscaram abrigo, 
lado a lado, como uma irmandade, um irmão. 

Cada qual com seus motivos,
alguns até sem nenhum. 
Mas com um mesmo fim,
desejaram alívio, e o tiveram (ou não), simples assim!

Quem pode condenar essas almas, 
quem amaldiçoará essas vidas? 
Somente o criador sabe o que será delas, que fim finalmente terão. 
Essas mentes atordoadas, 
moídas, feridas, que em todas as épocas buscaram a sua própria glória, entraram pra história, e juntas formam, 
compõe o vale, 
o vale dos suicidas!

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Querer


A alegria dos loucos
que ninguém as tire. 
Ser feliz com bem pouco, 
que eu aprenda, oh, minha alma mire! 

Queria poder sorrir de verdade mas não consigo! 
Queria enxergar a paz 
atrás de todo esse caos, 
essa podridão e sangue, 
mas os homens maus 
não deixam, afundam-se os sonhos como naufragam-se naus. 

Devia ver amor no meu vizinho, por trás da sua gentileza aceitar carinho. 
Mas não tem como, 
há sempre o medo e a desconfiança, cedo ou tarde, o jovem bondoso 
possível pedófilo é para a criança. 

Devia acreditar em todo candidato, dar-lhe meu voto de confiança. 
Queria esperar deles apenas um bom mandato, 
quatro bons anos, mas como, se só vejo neles ganância? 

Queria justiça de verdade, para todos, liberdade, igualdade, fraternidade, 
um pasto gordo pastando todos, uma grama verde numa bela cidade. 

Queria andar tranquilo à noite sem medo de assalto, mas tal como o escravo teme o açoite, assim nesses horários corremos, ligeiro e com salto. 

Eu queria, como eu queria, tudo isso e muito mais, 
coisas que não posso ter!
Se é assim, pobre de mim, 
tal desejo não tem fim, jamais, 
eu só queria então não mais querer!

Sacerdotes de Satã


Sacerdotes de Satã, 
todos eles são. 
Servem dia e noite o diabo,
a carne de suas vítimas dão à ele de manhã. 

Vendem caro (ou barato) 
muitas almas, 
entregam vidas à ele, 
não se importam 
se desesperadas ou calmas, são sempre almas, e porque não as trancar na prisão? 

Atacam com várias armas, usam algemas, corrente, mordaça fatal. 
Tudo isso distrai essas mentes primatas, cumprem seus "karmas", alcançam nirvanas, sua dor não é real. 

Tem muitos ouvidos, 
mil bocas. 
Tudo sabem, são sempre os escolhidos,
os certos e precisos, 
suas palavras nunca são loucas. 

Donos da razão, 
seus caminhos são os corretos. 
Mas não vá, 
escute o que digo então. 

De roupa alva 
e alma negra, 
seu íntimo eles lavam, 
dão a você o pão. 
Por trás de si, cordas lhe amarram, flechas cravam, 
derretem seu coração. 

Com eles você jamais verá o céu, morrerá com eles, 
sua mulher chorará em seu enterro com véu. 
Você não terá outra sorte, 
senão a dor e a morte, 
mais forte do que no inverno o frio, se aquecerá debaixo da terra, 
no fogo do inferno. 

Quisera eu queimar tal chama que em mim arde! 
São filhos do demo, 
carrascos do show de horrores, 
seja ontem, hoje, amanhã, sempre, 
todos esses falsos rabinos, padres, pastores, 
"escolhidos, ungidos, doutores"
são e serão filhos do diabo, sacerdotes de Satã!

sábado, 23 de abril de 2022

Ideação s...


Parece que parte de mim se foi, 
eu não sei onde perdi. 
Ando por aí, assim, 
sonhando com o meu fim. 

Só dormindo tenho tido paz. 
Estou insatisfeito, 
queria um mundo sem defeito, porém isso é utopia, 
sonho de um nunca mais. 

Vejo as pessoas, 
se são más ou boas, 
não saberei. 
Elas não falam comigo, 
não oferecem abrigo,
na grande cidade esta é a lei. 

Num dia qualquer isso talvez acaba, 
a chama de fogo de vez se apaga, e tudo termina! 
Sem vez para porquês, 
meu descanso vem
e feliz cumpro minha sina!

domingo, 17 de abril de 2022

Histeria


Não consigo me acalmar, 
tento, mas não têm como, 
preciso desabafar, 
as mãos inquietas tomo!

Preciso fazer algo
senão vou pirar!
Estou aflito, oh alguém,
rei, sacerdote ou mago
pode me ajudar?

O tempo passa tão devagar pra mim, oh me diga,
é só comigo ou com todos é assim?

Estou a ponto de explodir mais uma vez,
não me perguntem os porquês, 
pobre de mim, vou estourar de novo!
Já não quero mais isso,
alguém por favor me acuda,
meu cérebro está pegando fogo!

sábado, 16 de abril de 2022

Queixumes


Desconheço pior condição para se existir do que a humana. Como as pessoas conseguem gostar de viver? Ou, como são capazes de suportar a vida tão fácilmente? Realmente, me impressiono com isso. O mundo é louco, as pessoas são loucas, a humanidade é louca! 

As condições da vida são ruins e não podemos mudá-las. Aceitá-las e adequar-se à elas é a única coisa que nos cabe fazer. Resignação, conformismo! Não há outra opção. O despropósito rege tudo o que se faz. O reino da falta de sentido, do imprevisto, da dor, do sofrimento e do caos! 

O tempo que sempre passa e nos escapa. O presente que se torna passado, os acontecimentos, lembranças. As dores que nos perturbam, os problemas que nos assolam, as preocupações que nos angustiam, a morte a nos espreitar. O corpo sofrendo com a ação do tempo, o desgaste natural do envelhecimento. Um sem fim de desejos irrealizados, de sonhos frustrados, metas canceladas, coisas que ficaram pelo caminho. E assim vamos, varrendo a sujeira pra debaixo do tapete, esperando dias melhores que nunca vem, renovando a esperança contra todas as evidências possíveis, negando o óbvio. A vida não é possível sem uma grande dose de ilusão!

O costume é o que nos impede de enlouquecer: escravos da rotina, servos fiéis dela, nos protegemos nela. Nos sentimos livres e não percebemos nossas correntes. Todo homem que nasce recebe um nome, um corpo e uma lista de tarefas para cumprir. Vive como pode, não como quer. Faz malabarismos com os recursos que possui, luta para sobreviver, está em uma guerra perdida contra o tempo, a velhice e a morte. É frágil e limitado, por mais que se sinta um deus. 

A vida é uma maldição, uma irracionalidade, uma brincadeira nada divertida. É incrível como quase ninguém perceba isso. Só quem vê a vida de cabeça pra baixo, a vê como ela realmente é.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Dúvida

És minha cruel certeza, 
nunca me abandonas, 
não há em ti beleza, 
minhas crenças, impiedosamente, tu profanas.

Tudo o que creio, duvidas.
Tudo o que penso, ris.
Destrois o que há de mais sagrado em nossas vidas, não tens escrúpulos, nossas verdades, reputas como vis.

De onde vim, 
quem eu sou, 
para onde vou, 
porquê aqui estou? 

Ai, tem dó de mim! 
Deixa-me em paz, 
por favor, ó tirana e estúpida, 
vil e profana, 
inconveniente dúvida!

domingo, 10 de abril de 2022

Impulsos suicidas


Quando vejo uma faca, 
imagino-na cravada em meu coração. 
Sonho acordado comigo mesmo enforcado pendurado em uma árvore,
ou quem sabe afogado num ribeirão! 

Queria uma arma pra estourar meus miolos,
arregalando os olhos, 
morrer com um tiro então. 
Esguichar sangue no chão 
e a liberdade abraçar, 
depois da dor e o horror, 
a paz sobre mim reinar, quando a morte alcançar.

Não vejo mais sentido na vida, é tudo sem graça pra mim! 
Mas há um inferno, 
um fogo eterno que me prende à esse mundo, pra isso não compensa morrer assim. 
Afinal, que graça tem, 
que sorte haveria, se vindo a morte, uma pior sorte, maior mal me apegaria? 

Salva-nos então Senhor, tem piedade, 
dá-nos do teu amor, ajuda essas muitas vítimas de si, de impulsos suicidas!

sábado, 9 de abril de 2022

Reação


Isso não pode continuar assim, 
preciso fazer algo, ainda que eu não saiba o quê, 
pelo bem de todos, por mim!
Vou me levantar, lutar e vencer, 
minha saga não teve fim!

A mente pisa em solos arenosos, o pensamento 
passeia por lugares tenebrosos, 
se perde em sonhos temerosos,
vagueia em vales assombrosos. 

Quanto tempo eu perdi 
sonhando com o que não tive,
lamentando o que não vivi?
Na angústia se consomem 
os meus dias, mas já basta de prantos, chega de agonias,
eu ainda não morri!

Depois de tantos golpes 
é mais do que a hora de reagir.
Vou me erguer, lutar e vencer,
tudo dará certo, eu vou conseguir!

Guerreiros caem mas não ficam prostrados, só os que se esforçam vêem os resultados. 
O que eu pretendo obter
ficando parado? 
Vou me levantar, lutar e vencer, 
sou um vitorioso e não derrotado!


Anseio

Queria andar por aí 
e encontrar uma flor. 
Admirá-la, 
e contemplando-a aliviar minha dor.

Não quero continuar aqui, 
vivendo nesse mundo sem amor!
Alcançar a paz, o alívio sincero, profundo 
seja onde for!

Queria andar pelas ruas
e ver todos sorrindo.
Sem mais miséria, nem medo de perderem as coisas suas, 
todos se abraçando,
à um estranho desejando que seja bem-vindo.

Quero todos unidos
servindo a Deus! 
Não mais guerreando, 
somente louvando o criador, 
que cuidaria dos sonhos seus.

Quero ter esperança, 
voltar a ser feliz como criança, 
pintar o mundo de azul! 
Ah, como eu quero 
a felicidade, a alegria
de leste a oeste,
de norte a sul!

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Gente


Tem gente em todos os lugares, onde quer que eu vá. 
Não adianta olhar pros lados, alguma pessoa, em qualquer canto, sempre há de estar. 

Não se pode andar nu, 
pois alguém há de flagrar. 
Não há como, sem ser visto, cheirar o sovaco, 
ou mesmo coçar o c*, 
haverá um olho ou câmera a te filmar. 

Olhos sempre olhando, ouvidos sempre ouvindo, 
maconheiros fumando, policiais para prender bandido partindo. 

Camelôs nas calçadas, 
gigolôs com as namoradas, mendigos pedindo esmola, 
crianças indo para a escola. 

E hei de dizer
a teus olhos viciosos, 
copiosos ou descrentes...
Tu que isto lês,
também és gente? 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Rolê em BH


Nessas tardes frias
andando pela cidade, 
pelas ruas vazias
sinto de algo ou alguém saudade,
penso no começo, 
penso no fim,
penso no futuro,
penso em mim.

Vejo um belo grafite
ilustrando um muro.
Pessoas apressadas andando, 
quase se esbarrando.
Moradores vivem em barracas debaixo da ponte.
Pedintes no passeio 
(que não cheira bem, por falta de asseio)
são alguns dos elementos que
compõe este Belo Horizonte. 

Um garoto me aborda, me oferece balas.
Compro-as. Não tenho dinheiro suficiente, 
mas alegre por ter tido um cliente, ele deixa assim 
e rápido desaparece, some por fim. 

Vendedores todo o tempo me perguntam:
"Em quê posso ajudar?"
Eu nada respondo, 
só quero passar.
Eu simplesmente me escondo destes trabalhadores
que querem a vida ganhar. 

A arte da sobrevivência 
estão os artistas de rua 
no semáforo a praticar.
Fazem um apelo à consciência dos motoristas que se entretem ao vê-los
enquanto o sinal abrir
ficam a aguardar.

Nesta selva urbana 
há de tudo, 
na minha frente, 
quieto e mudo
está uma estátua humana.
Um ar sorridente, 
algumas moedas no chapéu. 

Pichações xingam o presidente, 
casais discretamente saem de um motel.
Uma cigana quer ler a minha mão 
e o meu destino saber, 
recuso, não creio nessa superstição e não é esta anciã que irá meus problemas resolver.

"Pão de queijo, só um real."
Leio o anúncio, é ótimo o preço, entro e como um, 
afinal, depois de tantas voltas eu mereço. 

Uma aglomeração passa 
pela praça da estação, 
não é à toa, 
servidores protestam 
contra uma privatização. 
Juntam-se às reivindicações do manifesto 
petições por aumento de salário. 
A polícia acompanha de perto o protesto. 

Depois de muitos anos
entro no sebo onde eu ia com o meu pai.
Mas não vejo livros, 
só torneiras, telhas e canos, o que será que aconteceu?
O homem que me atende diz: 
"Aqui não é mais sebo, eu tomo conta agora."
Ele explica tudo, sem demora.
Fico surpreso, o senhor de olhar triste 
que vendia livros 
faleceu há alguns meses,
de câncer aos 83 anos, morreu. 

Volto para casa, foi longa a tarde, cansado.
Felizmente, o ônibus não está cheio, 
posso vir sentado. 
A cidade anoitece! 
Lotam-se os bares,
de dentro duma igreja ouço uma prece, 
assim despontam os noturnos ares.
Da janela eu avisto a cidade, 
e vou divagando, sonhando, 
e não sei do quê 
- ou de quem - sentindo saudade. 


O jogo


Fomos trazidos à mesa,
não nos perguntaram se queríamos jogar. 
Nos puseram na roda, 
temos que dançar. 

Neste jogo não ditamos as regras, 
só nos cabe aceitar
aquilo que vier, o que a sorte lançar. 

Não reclames das trapaças, 
não podes protestar.
Não estás aqui para festejar. 

Também não deves sair antes da hora.
Aceita o jogo ó homem, 
aceita o jogo que não pediste pra jogar!

 

Por quê?


Para quê me dão a vida 
se um dia me irão tomá-la?
Porquê essa ferida 
se não posso curá-la?

Porquê padeço angústias sem fim,
mil dissabores, desgostos e dores,
em mim aperfeiçoados? 
Porquê sofro pelos erros de outros, 
sobre mim recaem
as taras dos meus antepassados? 

Para quê os sentimentos, 
amargos, ácidos, para que servem?
Para quê os pensamentos, 
questionamentos, que em minha mente fervem?

Porquê o que eu quero não tenho, 
e o que não peço, isso obtenho?
Porquê eu insisto e não consigo, por mais que eu lute, por muito que me empenho? 

O que há de errado comigo, afinal?
Porquê me foge o bem e me persegue o mal?
Sou eu da tragédia abrigo?
Porquê tanta má sorte?
Será a minha sina sofrer,
viver desejando a morte?

O pombo


Andava eu distraído, 
olhando para frente, 
entretido, carregando sacolas, 
aconteceu de repente.

Penso comigo: o que foi isto? 
Nada vejo. Ora bolas! 
O céu está claro, 
algo me molhou 
e no entanto não choveu!

De onde jorrou
esse estranho líquido que 
do alto desceu?

Olho pra cima - lá está ele, 
o meliante no alto do fio subido,
é ele que em cheio me acertou, 
ali está o pombo
que em meu ombro cagou! 

O quarto da minha prima


Faz anos que não entro lá. 
Não sei se algo mudou, como deve estar. 
Só sei que eu cresci, ela também, o tempo passou, e não voltei àquele lugar. 

Éramos pequenos, 
puros, ingênuos! 
Além da idade, nos unia uma bela amizade, 
que eu não sabia que um dia viraria saudade. 

Hoje estás crescida 
e na vida - creio eu - bem resolvida.
Não te lembras mais 
dos teus dois primos,
sobrinhos de teu pai!

Há anos nos vimos, 
brincamos, nos divertimos! 
Mas já não nos conhecemos, 
mal nos falamos, 
em comum só temos
o sangue - que testemunha que primos somos!

O quarto da minha prima, 
como está, como deve estar?
Não sei, faz tempo que não piso lá, há anos não entro naquele lugar.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Kiev resiste

Sob fortes ataques, 
incessantes bombardeios, 
vindo por todos os lados, 
de todos os meios,
um povo luta, uma nação persiste.
Lutarão até o fim,
sempre foi e será assim, 
a Ucrânia segue de pé - Kiev resiste.

Prédios destroçados,
cidades destruídas. 
Pessoas escondidas, 
bunkers improvisados,
vidas inocentes perdidas.

Protestos por todo o velho continente 
contra o perverso presidente 
que este conflito causou.
A Rússia isolada, sob sanções ameaçada, ainda insiste em suas ambições 
(querem terminar como a Alemanha de Hitler terminou?)

Vários países enviam ajuda à nação atacada 
que tão de repente perdeu sua soberania e teve sua paz roubada.
Receberá armas para lutar e persistir, combater, 
guerrear e resistir!

Em meio a escombros, alarme 
e assombros, um povo luta,
uma nação persiste,
sua capital segue de pé - Kiev resiste.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Reminiscências


O tempo passa, as coisas mudam, os lugares mudam, as pessoas mudam. Ou talvez não seja nada disto, somos nós que mudamos, nossos gostos, nossas percepções, nosso comportamento. Podemos ir em locais que já estivemos, estar com pessoas com quem já convivemos, fazer antigas atividades que nos agradavam. Mas não devemos esperar ter as mesmas emoções. E por quê não? 

Porquê embora os locais, as atividades, as pessoas sejam as mesmas, você pode não ser o mesmo! Seus gostos, seus pensamentos podem ter se alterado no decorrer do tempo. E quando se trata de pessoas, elas também podem ter mudado durante o período em que você esteve fora. 

Se você procura uma velha amizade e percebe que não foi recebido com muito entusiasmo, não se assuste, o problema não é você nem seu amigo(a). Acontece simplesmente que enquanto vocês estiveram separados, talvez pela distância, cada um seguiu o seu rumo, fizeram novas amizades com novos gostos em comum, novas emoções, novas afinidades. Isto não significa que vocês nunca foram amigos, senão que a distância fez com que a amizade esfriasse, como uma fogueira que não pôde ser alimentada. Isso é um processo natural, ainda que pareça doloroso. 

Não se prenda à pessoas, lugares, muito menos tente reviver velhas emoções. As coisas têm o seu encanto, mas nunca o encanto da primeira vez. Insistir em sentir as mesmas sensações que já tivemos pode nos decepcionar, principalmente se vemos que não temos mais a mesma empolgação de antes e os outros também não. 

O tempo passa depressa e muitas vezes o que nos resta é somente a lembrança. Não podemos reviver bons momentos, mas podemos recordá-los sempre que quisermos.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O silêncio, o ócio e a solidão

Poucas experiências são tão místicas quanto o silêncio e a solidão. Isto se deve ao fato de que o homem está acostumado a estar em constante atividade e em contínuo barulho, está sempre fazendo algo e perto de alguém. É raro ficar só, sem fazer nada. Quando isso acontece, é que ele percebe a diferença de estar cercado de gente e de estar sozinho, de falar e estar calado.

O silêncio e a solidão, assim como o ócio colocam o homem num estado de existência puro, livre de quaisquer ocupações/distrações, entretenimento. Sem ter o que fazer, só e em completo silêncio, o homem sente todo o seu ser, ele apenas existe - sem nenhum rótulo. Ele pode escutar melhor a voz dos seus próprios pensamentos, respirar, ser.

Somos naturalmente seres solitários que buscam fugir a todo custo da sua solidão. Nos misturamos na multidão, nos perdemos em meio aos grandes grupos, nos colocamos etiquetas/títulos e nomes. Mas quando o espetáculo acaba e a platéia vai embora, o que resta ao ator senão tirar a maquiagem? Olhar-se no espelho e ver-se outra vez...só, consigo mesmo.

Vivemos em uma constante fuga de nós mesmos, nos escondemos na rotina, nos evitamos a todo custo. Queremos nos inserir nas tribos populares para não termos que carregar o peso de nossa individualidade. Estamos seguros em meio a maioria, ainda que nos sintamos desconfortáveis nela.

Somente estas três coisas - o silêncio, o ócio e a solidão - nos fazem sentir o tempo, as horas, a existência. Quando não se faz nada nem se é alguma coisa, é que sentimos pura e totalmente existir, a vida fica suspensa e seu agente contempla a tudo admirado.