sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Encerramento


Mais um ano termina
sem sequer ter começado. 
Doze meses novamente correram, sem que eu algo veja mudado.

Ó vida, para quê serves tu, 
senão para seres vivida?
Comerá, pois o urubu, uma carniça antes que esteja podre, fedida? 
Igualmente, que farei eu quando morrer, meu derradeiro suspiro reter, se já morto há muito estava em vida?

Eis que em mim bate um coração, vive uma alma!
Há de sofrer então, sem razão,
em vão perder-se a calma?
Se, pois, tempo para levar ao pódio o cavalo têm o cavaleiro em ligeira cavalgada, 
como pode ficar tudo inerte, 
paralisado, estagnada?

Pois assim termina o meu ano, 
morto e sem sonhos!
Não mais me iludo com meros enganos, nesse mundo insano.
Que passem maios, janeiros, 
mas que não passe o meu desejo de um dia zombar de tudo isso, destes dramas debochar ufano!

E que nunca mais se encerre 
como encerro este ano!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Lero-lero


Dinheiro não traz felicidade, 
esse ditado conheço desde outrora, mas ele é um bem, necessidade, quisera eu 
dinheiro ter agora!

As cifras não substituem, 
as notas não compram o amor, 
a comunhão e o andar com Deus. 
A família, os sentimentos também não se trocam.
Ah! Mas poderia realizar todos os sonhos, os sonhos meus!

Ser pobre é viver um drama de
ter sempre dinheiro mas continuar sem nada! 
O pobre se afunda na lama sem ser porco e sem chiqueiro, 
se ele é dado à vícios perde o pouco que têm, o seu teto, sua morada!

É a falta de dinheiro 
que nos faz pensar na vida! 
Rico ri à toa, 
esta é boa dita, na medida,
enquanto o pobre se afunda numa boa, sem precisar de barco ou canoa!

Mas chega de lero-lero, 
pois sem trabalhar a grana não vem, isto vale pra todos.
Mas se um dia eu descubro alguém que ganha dinheiro sem nada fazer, tranquilo eu vou viver - Ah, como isto eu quero!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Adeus

Errando pelo mundo, 
cambaleando pela vida. 
Confuso e perdido, andando em voltas, 
num labirinto que parece não ter saída. 

Não cheguei no topo do que eu queria. 
Ao contrário, me afundei, escorreguei e caí,
sem ninguém perceber. 
Estou no fundo do poço. 

Já não consigo sonhar, 
desejar nem querer. 
Sei que ainda sou moço, 
e tenho muito pra viver, 
mas me desculpe, 
eu quero morrer. 

Eu nunca disse que era forte, nunca disse que tanta dor assim eu suportaria. 
Não precisam ter dó de mim, essa foi minha sorte, o que posso fazer, ou poderia? 

A vida quis assim, 
desde o começo tramou o meu fim. 
Eu assisti a tudo isso perplexo, como se fosse uma história sem nexo, lamento ver a que ponto chegou. 

As ilusões se acabaram, por várias razões, 
uma a uma voaram. 
Abandonado fiquei 
e agora não sei 
para onde correr, 
me diga, pra que lado? 

Não chorem por mim, 
não se lamentem, 
apenas lembrem-se, 
eu estarei feliz! 
Me perdi no início,
agora pulo o meio 
e adianto o fim! 

Com tão desventurada sorte não podia ser diferente. 
Preciso renunciar para estar contente. 
Não vivi minha vida, 
agora morrerei minha morte!

A saída

Afundando num poço sem fundo tentando gritar ou pedir ajuda. 
Sem ninguém pra socorrer, em nenhum canto do mundo, ninguém pode ou quer entender, 
talvez o melhor seja mesmo morrer! 

O sol não aquece mais, 
as trevas não mais assustam. 
Pouco importa se há guerra ou paz, se caro
ou barato as coisas custam. 
A dor não faz gritar, 
a lágrima insiste em não rolar, não se sabe o que há de vir, uma piada já não faz rir.

O beco está sem saída, 
onde está a luz no fim do túnel? 
Porque viver assim a vida, 
se pode-se tomar um outro rumo? 

Essa decisão não é vossa! 
Isso todos dizem, mas mudar a história de quem isto quer, não há na terra quem possa. 

Uma mistura, uma solução, uma só dose, 
sem frescura, para acalmar o coração. 
Quem há de fazer censura 
se procuras tua cura 
através da overdose, 
queres mudar tua sorte de vida 
mesmo que seja pra isso a morte a saída?

Perdido

Hoje estou tão melancólico, 
tão bucólico,
melódico, 
filosófico, 
católico!

É mais um dia daqueles em que a alma perdida de si mesma, 
não sabe onde se encontrar!
Oh, quisera eu, tão confuso, ter paz e calma para o meu perdido eu encontrar!

Vago entre campinas e bosques, matas e riachos, córregos e pastos, me perco entre miragens citadinas, 
viadutos, avenidas, postes, prédios vastos!

Nesses instantes de sonho acordado, percebo um riso 
que talvez esconda um choro embargado vindo de mim,
sem razão, quando estou sentado no colchão com o jornal do lado!
Oh, que grande desventura,
só, sem amigos, esposa, parentes - desempregado!

Minha alma então vaga 
perdida de si!
Só o bom Deus 
pode trazê-la de volta ao corpo
e todos os meus problemas corrigir!
O Senhor que nunca me desamparou, nesse instante sombrio, é quem pode em meu auxílio correr 
e na minha dor intervir...

Pois nesse momento 
só tenho um sentimento,
um choro, lamento...
Pois me sinto perdido
num mundo bandido, 
onde só posso me sentir: 
melancólico, bucólico,
melódico, filosófico, católico!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Metas

Livros para ler, 
músicas para escutar, 
lugares para conhecer, 
sonhos para sonhar. 

Palavras para dizer, 
amores para amar. 
Flores para colher, 
reinos para conquistar. 

Altares para erguer, 
deuses para adorar. 
Traumas para esquecer, 
momentos para recordar. 

Viagens para fazer, 
plantas para regar. 
Pratos típicos para comer, 
danças para dançar. 

Cartas para escrever, 
negócios para tratar. 
Injustiças para sofrer, 
contas para pagar. 

Folhas em branco para preencher, 
trabalhos para entregar. 
Uma vida para viver, 
histórias para contar.

Frio

Frio como o vento,
meu coração vai.
Assim como no outono,
ele se desbota, no relento, 
sem motivo, 
como folha que um dia cai.

Vai batendo, o comando do resto do corpo respondendo. 
Ele vive, mas não se emociona,
grandes sonhos não ambiciona, 
há muito está morrendo. 

Peço então a Deus socorro, 
antes que ele morra, 
e eu morro.
A vida não é fácil, é verdade,
mas a cada um cabe saber 
do seu próprio sofrer,
da sua própria maldade. 

Eu quero, não sem razão,
antes que o meu coração caia
e com o frio do inverno vá,
Senhor Deus, piedade!

Hora de delírio

Hora de delírio! 
Escuto e discuto com minha alma, se sonho ou desperto, dentro ou na porta, se ela ainda vive em mim ou já é morta!

Cigarras cantam, pedem chuva ao bom Deus. 
Tudo isso é muito interessante,
me embriago deste canto
que também dá à mais um ano um adeus.

Hora de delírio!
Solitário e louco,
me vejo entre não poucos devaneios, infrutíferos anseios,
dentro de mim explode um grito, espreme-se o ser em seu sufoco!

Vejo os anos atrás,
um tempo que passou faz pouco, saudade viciante que em meu peito jaz, que de falar dela ficarei rouco. 

Hora de delírio!
Um menino feliz brincando vai,
feliz um tanto grande,
morrendo se vai sua alegria irradiante, na mesmice seu semblante cai.

Hora de delírio!
Que me faz escrever esses versos tortos, sem sentido como está o meu ser, 
abraçando na sorte de um desvario buscar consolo 
no disparate que protege os loucos!

Misantropia

Matai, ó Deus eu vos imploro 
minha misantropia que horrivelmente ameaça crescer a cada dia!
Sim, ó Pai, um fim nisso dai,
mudai minha mente, tirai-me dessa agonia. 

Já não suporto ver, conviver e ser um ser humano. 
Mas, errado demais isso vai 
contra o amor ao próximo pregado por Jesus, filho de nosso Senhor, Deus Pai.

Mas então, porquê razão 
tenho ojeriza a este ser?
Seria em vão, ou há motivos
para isto haver?
Digam-me então: que animal mata os próprios pais, rouba, destrói, calunia, fofoca, mente, corrompe, corrói, 
nem sempre na inocência 
mas por prazer?

Que bicho humilha a seu irmão 
por ele ser "inferior", sem se preocupar com a sua dor, os nobres sentimentos do seu pobre coração? 

Tudo isso e muito mais
obras do homem são. 
O "ser racional" faz-se perder a razão, comporta-se pior que um animal!

Mas ó Deus, eu vos peço 
tirai de mim tais indagações.
Sei que ao fazê-las perco minhas razões, pois o homem do qual também sou um,
é a mais nobre de todas as vossas muitas criações. 

Assim estou vos pedindo,
Senhor de tudo e de todos criador, dai-me do vosso amor!
Uma porção generosa 
concedei-me todo dia,
para aplicar ao meu coração e acabar enfim
com essa misantropia!

Poetas

Quem há de julgar-se sábio, 
senhor de si, sabichão e douto?
Dono da razão, conhecedor de quase tudo, das ciências um dominador, voraz e não pouco?

Que há de argumentar, 
assim dizer, para quem lhe arguir tal sujeito?
Se não há neste mundo certeza de nada, felicidade,
senão desrespeito, maldade,
desgraça sobre desgraças empilhada?

Pois eu vos digo 
sobre isso refletindo,
que não há quem assim possa ser! 
Mas o maior perigo é ser possível certas pessoas
acharem tais sujeitos ser!

O mundo, redemoinho inconstante e não pouco, cabe de tudo um pouco.
Tais pessoas que assim julgam ser, são aquelas que fazem versos, 
querem mudar o mundo, 
sem contudo nada pra isso fazer!
São malucos na verdade, 
por isto eu digo sem dificuldade:
Perece um poeta, morre um louco!

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

La muerte

Quero me embriagar do vinho inebriante, provar o mel mais doce e viciante que pode existir. 
Preciso dessa chama faiscante, flertar esse olhar misterioso, 
essa sombra a me seguir.

Quero tomar esse caminho sem volta, sozinho, meu destino assumir. 
Entrar nessa dança hipnótica, 
ouvir do mais raro som 
da música mais exótica. 

O perfume mais cheiroso, 
a flor mais bela.
O espinho mais furioso,
a mais gótica capela!

Reis e rainhas dela se vestiram com glória, em todas as eras, nos mais remotos séculos da história! 
Quero eu também usar dessa seda, tão preciosa coroa, 
tão desdenhada vitória!

Eia, avante, não recuo um instante da minha derradeira e definitiva sorte! Venha, provemos o andar galopante, tomemos esse cálice - sintamos a morte!

Dualismo

Aquele momento em que a alma, já cansada, insiste em sair do corpo, alçar vôo 
e liberdade, rumo ao infinito...
Está perturbada, quer sua cidade, onde tudo é mais fácil e bonito...

Quer se livrar desse corpo frágil, 
destrutivél e pecador...
Rumo ao eterno, imperecível,
o mundo dos espíritos, das luzes, do amor!

Ó alma, suporta com calma 
o duro fardo que te é imposto,
de habitar esse corpo e morrer com ele!
Dizem que tu és imortal,
não creio que seja, 
observa, vê, somos tão físicos como um animal!

Sim alma, aquieta dentro de mim, podes esperar a morte do meu corpo, que também será a tua sorte, o teu, o nosso fim!
Isto alma, aguenta firme, tu és minha e eu sou teu, 
estamos juntos, somos um só,
és tão somente o meu intelecto, 
a minha mente!
Tu não serás sem mim nem eu sem ti!

Não percas a calma 
ó querida alma! 
Pois a sorte do meu corpo será também a tua, já que não há sol sem lua, meu fim será o teu,
minha morte a tua!

domingo, 12 de dezembro de 2021

Donos da história


Queria ter estado lá esse dia, 
espiando entre as verdes moitas, ver o que aquelas duas almas, mentes e mãos afoitas
iriam fazer, o começo de tudo 
que mais tarde viria. 

Sem dúvida nenhuma 
a rastejante foi quem armou,
mas sem a ajuda deles 
não haveria tragédia alguma,
o barraco não desabaria 
como desabou!

Lúcifer, terrível e manipulador, sem maiores problemas a mãe de todos os viventes, enganou. 
Mas pudera, pois desejara em seu coração, em seu íntimo quisera, sonhar o pecado 
de ser a criatura tão sábia quanto o criador,
e caiu no mesmo erro
daquele que das trevas é senhor. 

Tal desejo, arrogante, prepotente, incitado pelo mal em forma de serpente, não podia terminar bem.
Sem saber o que faziam 
do fruto proibido comiam, 
a própria raça afundavam 
num caos, sem precedente tal.

Tornou-se então o homem mortal, o diabo seu pai.
Aprendeu o ódio e a guerra. 
É pó e volta à terra,
seu corpo aprodece,
e enterrado vai.

Que proveito houve, afinal,
provar da árvore do conhecimento do bem e do mal?
Herdar o inferno, viver com os demônios uma relação fraternal?
Tal fruto custou muito caro, 
mas não é ele a causa de todo o mal.
É a serpente, mas não ela somente, e o homem com o seu desejo de ter o que não podia, 
querer o que não lhe pertencia.

Como sorte, temos muitas dores, de brinde a morte,
vivendo uma vida curta, 
um espetáculo de horrores. 
Contudo, de tudo não perdemos
nossa dignidade e glória, 
temos a santa cruz, 
o bendito salvador Jesus!

Se os dois primeiros humanos
culpados ou inocentes são, 
não compete à minha memória, 
seja como for, são os nossos pais (carrascos ou benfeitores)
os donos da história!

Arredio


Sozinho em uma casa sombria, 
solitária e fria,
ele mora.
Com medo de tudo, 
de todos receoso, ele vai,
lava suas mãos na pia, 
de noite em seu quarto ora.

Sem motivos para sorrir, 
ele graceja.
Sem razões para se alegrar ele gargalha, talvez de si, da tristeza pestaneja.

Rir da própria desgraça é melhor do que rir da alheia. 
Então ele ri, não é pior do que um mendigo na praça, têm pelo menos calçado e meia.

Sem razões para amar,
ele simplesmente não ama.
Não crê no humano ser, 
mas não maquina maldades
na sua cama.

Não bebe, não fuma, 
não se droga.
Não têm vícios, 
talvez o seu maior defeito seja
não dizer, mas demostrar,
que quase nada o empolga. 

Não têm amigos, 
não têm mulher, 
não têm emprego. 
Seus parentes não o amam,
a morte não o quer,
sua vida é um constate desapego. 

Sozinho ele vai, 
só ele prossegue.
Sua mente em mil tormentos cai, o medo é seu amigo, o fracasso o segue.

Na casa sombria, solitária e fria, 
seu universo é vivido.
Seria o seu mundo 
o oposto do que é pedido?

Soloquios e encostos lhe são comuns. Estes vivem com ele,
não são muitos, só alguns, 
o perseguem todo o dia, 
lhe fazem pecar 
na casa solitária e fria.

Ele não têm amigos, 
mulher ou emprego. 
Sua vida é vivida em constante desapego, assim todos os dias, 
na casa solitária de paredes frias. 

Ele já não ama, não tem porque amar. Então ele segue seu ideal, 
nada o pode parar.

Sem amigos, mulher ou parentes, senão seu umbigo, 
seus míseros dentes.  
Como é ruim partir
sem se despedir!

Não há emprego, 
compromissos a cancelar.
Abruptamente risca o isqueiro,
seu fim vai chegar!

Ele sabe que pode se arrepender, mas não há tempo a perder. Está resoluto, nada o vai deter.

Lentamente, o fogo vai se alastrando, a casa fria se aquecendo, seu corpo de dores
retorcendo, a casa escura se iluminando, paredes duras derretendo. 

Em chamas se vai
a casa sombria, solitária e fria
junto com o seu maldito senhor. 
O que se pode esperar 
quando morre
a necessária chama de amor?

Já não há mais casa,
apenas cinzas.
Porém, seres do mal brincam, 
matam sua fome, saciam-se com a alma do pobre homem.

A casa sombria cheira a enxofre. 
Demônios a brincar lá estão, num riso despaterno, a brincadeira acabou, enfim arrastaram mais um idiota pro inferno!

Sozinho em sua casa solitária, sombria e fria, ele morre.
Anjos do mal a ver sua ruína correm.
Sim, assim cai, este é o seu fim,
desgraçadamente ele morre. 

Esta é a história que eu ouvi um dia da casa sombria, 
solitária e fria!

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Imensidão

Há um chão sob os meus pés 
e um céu sobre a minha cabeça. 
De dia, aquece-me o sol,
anoitece pra que eu adormeça. 

Sem névoa ou véu vejo as estrelas, tão belas e distantes. 
A lua é a rainha 
dentre os astros fulgurantes. 

No silêncio da noite sinto a solidão. Enquanto todos dormem, perguntas me assolam, o que sou eu nessa imensidão? 

Respostas clichês não resolvem, somente consolam.
Me perco neste mar de "porquês" que me vem uma e outra vez, 
me torturam, me consomem, me dissolvem. 

Queria ter asas para voar,
no infinito me perder.
Mas só tenho um coração para amar, olhos para ver, 
mãos para tocar,
uma mente para sonhar 
com o que posso 
e não posso ter.

No meio das aglomerações,
eu sou apenas mais um. 
Um entre milhões 
que se perdem nas multidões.
Incontáveis saindo do ventre materno e voltando para o seio da mãe-terra, o nosso lugar comum.

Almas que se esbarram e não se vêem, que se estudam e não se lêem,
se cruzam e não se falam,
que juntas padecem
mas não se conhecem.

Passam-se os anos, mudam-se os planos, trocam-se as estações. 
As crianças crescem, os jardins florescem, as filhas tornam-se mães.

Tudo se renova, 
mas no fundo continua igual. 
Viver é uma prova que não importa a nota,
não altera o resultado final.

O amor alivia a dor,
mas não a preenche.
A lágrima é amarga 
mas é sempre sincera.

Mais amarga é a espera
daquilo que não têm cor,
forma nem sabor, 
o nome todos sabem
mas não a viu ninguém:
Felicidade, é real,
será verdade?

Lembrar não é um mal,
mas esquecer é um grande bem.
Há beleza até nesse lado do inferno, onde o sofrimento, ainda que seja só um momento, parece eterno.

Rapidamente envelhecendo,
diariamente renascendo,
vou vivendo com a certeza de nada saber, de apenas sorrir, apenas chorar, apenas sentir, 
apenas ser.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Nostalgia

Para onde vão 
os adeuses não ditos, 
os amores não vividos, 
os sonhos perdidos, 
as lágrimas não derramadas? 

Para onde vão 
as vitórias que não foram celebradas, 
as homenagens que não foram dadas,
tudo o que quisemos e não tivemos, nossos amigos de infância, os nossos camaradas? 

Para onde vão 
a nossa primeira professora, o lápis, papel e tesoura, 
nossa primeira bola, 
os tempos de escola, 
nossos dias mais belos 
e sentimentos singelos? 

Para onde vão 
todas as emoções
das mais nobres recordações? 
Para onde vai 
o que no tempo se perde, 
um instante feliz, 
um bem que a vida nos concede?

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Das profundezas do tédio

I

Mais uma vez, sou tomado por um espanto indizível. Encontro-me preso a esse corpo, debaixo dessa pele! Estou num universo estranho, que não entendo, não posso entender, nunca entenderei. 

Estar vivo enche-me de pavor! Pensar em tudo o que pode acontecer, todas as possibilidades, todos os males e dores possíveis leva o ser à desesperar-se. Uma criatura que toma consciência demais de sua fragilidade torna-se incapaz de qualquer ato, exceto do exercício da desilusão.

II

Sensações, sensações, disto é feita a vida! Dor, prazer...alegria, tristeza. Sentir e se emocionar, nada mais que isso. De todas as sensações, a melhor é aquela que não se sente! Não era este o estado em que eu me encontrava antes de nascer? Por acaso eu me sentia mal por isso? Agora, estando vivo sinto muitas coisas ruins que não gosto e nem sempre posso experimentar as sensações boas que quero...Melhor seria não ter nascido, não existir e não sentir nada.

III

Queria poder me livrar dos meus instintos, negá-los ou domá-los por completo. Queria poder romper as limitações impostas pela natureza, driblar a fome, a sede, o sono, o cansaço, o desejo sexual. As funções biológicas ocupam boa parte da vida, ou devo dizer que a própria vida se resume a elas? Não sei ao certo. 

Desejos se confundem com necessidades ao ponto de não ser possível diferenciá-los. Sou um corpo com consciência ou sou uma consciência presa em um corpo e miseravelmente dominada por ele?

IV

Livre arbítrio? Liberdade? Num mundo como esse, numa realidade como essa tais conceitos me parecem uma piada. Eu não faço o que quero, e nem tudo o que quero eu posso fazer. 

Meus desejos chocam-se com a realidade, são limitados pelas circunstâncias, dependem das  possibilidades e nada disso está no meu poder. Embora eu dependa de tudo e todos, nada depende só de mim. Muitas coisas precisam acontecer para que os meus planos dêem certo, mas se for para dar errado, nenhum esforço meu poderá ser suficiente para evitar...Livre eu seria se pudesse fazer tudo o que quisesse, livre-arbítrio eu teria se conseguisse não desejar o que desejo. Se não sou capaz disso, então sou apenas um escravo, da vida, da sociedade, de mim mesmo.

V

Não estou feliz na minha condição humana. Me seria bom se pudesse abandoná-la e ser qualquer outra coisa. O homem é um animal racional, um animal que sofre com o peso da sua racionalidade e também um ser racional que tem de satisfazer a sua animalidade. Tal condição me parece trágica! 

Ou é somente animal ou racional - mas o homem é ambos e tem que adequar-se à esta condição. Não ouso dizer que sejamos aberrações da natureza, mas também vejo como bastante exagerada a afirmação de que somos a "coroa da criação"... A condição de animal-racional muito me incomoda, e é de fato uma combinação perigosa- os suicidas que o digam.

VI

Ter que viver com a sombra do passado e a incerteza do futuro na mente é algo que exige "jogo de cintura". Eu sou o único que sabe tudo a meu respeito e tenho que carregar o peso de tamanho conhecimento. Posso fugir de tudo e todos, menos de mim mesmo. Posso enganar a todos, menos eu mesmo. Isto é assustador! Mesmo que eu pudesse me desvencilhar dos outros, serei sempre assolado pela minha companhia! 

Em momentos de angústia, a mente se torna uma grande inimiga, evocando lembranças tristes, bombardeando pensamentos negativos. Ela se volta contra o seu próprio dono, acusando-o e fazendo-o hesitar. Como disse Emil Cioran que ninguém poderia curá-lo de "um horror mais velho do que a minha memória".

VII

As explicações científicas feitas sobre o homem parecem mostrar que este nada mais é do que um animal racional. Tudo é cérebro, tudo é biológico, tudo é físico. Se for realmente assim, isto explica muita coisa - e em nada rebaixa o homem ou tira a sua grandeza, como insinuam alguns religiosos. Isto nos ajudaria a entender o porquê de tantas doenças, transtornos serem hereditários, o porquê de alterações no cérebro implicar em mudanças na personalidade, no comportamento, etc. 

Tal conhecimento é magnífico e ao mesmo tempo assustador: Se eu sou apenas um ser físico, um animal dotado de razão, isto significa que nada ou praticamente nada do meu próprio funcionamento está no meu controle! 

As peças do meu "maquinário" precisam estar em ordem e devidamente ajustadas para que eu possa "funcionar" bem em todas as áreas. Qualquer desordem, por menor que seja, pode me afetar e muito...Esta condição é de fato incômoda e a consciência dela perturbadora.

VIII

A sexualidade têm no homem a mais estranha forma de expressão. Isto é, sendo um ser sexual, o ser humano tem de comportar-se como se não o fosse. Cobre-se de roupas, esconde o seu corpo, reveste-se de pudor. Porém, o desejo sexual está nele, faz parte dele, é da natureza humana. Somos, possivelmente a única espécie que reprime seus instintos ou que precisa reprimí-los para viver em sociedade. Coberto por roupas somos doutores, líderes, generais. Nus, somos apenas uma criatura como qualquer outra. 

Talvez os seres humanos sejam os animais que mais dificuldades tenham para conseguir ter relações sexuais. Há todo um ritual, um processo, um esforço para conseguir isso. E quando o desejo é alcançado, este é praticado entre quatro paredes e extremo sigilo. O que outros animais fazem ao ar livre, à vista de todos, os humanos fazem secretamente e com cuidadosa privacidade. 

Desnecessário dizer que somos capazes das maiores aberrações e práticas sexuais, feitas conscientemente. Estupro, incesto, bestialidade, pedofilia, necrofilia, homossexualismo, entre tantas coisas são próprias da espécie humana. 

Provavelmente o sexo seja o que mais aproxima o homem dos outros animais e alcança na raça humana os mais elevados graus da depravação.

IX

Dependemos de tudo e de todos. Por mais independente que sejamos, nunca seremos auto-suficientes. Não há nenhuma área de nossas vidas que possa ser preenchida apenas por nós mesmos.

Vida sentimental, social, profissional, familiar, não podemos nos realizarmos em nenhuma delas sem a ajuda de outros. Esta dependência que um ser humano têm de outros seres humanos para tudo o que faz é uma das maiores desgraças humanas, senão a maior de todas.

X

Uma vida em estado contemplativo é certamente a melhor de todas. Basta ver a quietude das plantas, a tranquilidade dos animais e compará-las com o estresse, a angústia, a inquietação do homem. Ele não tem como escapar de suas responsabilidades, seus deveres, seus compromissos, suas obrigações. É lançado ao mundo e tem que viver uma vida já programada, mesmo sem tê-la pedido. É trazido à mesa e precisa jogar. Não pode rebelar-se contra a sua própria condição, ainda que tenha plena consciência desta e não concorde com ela. 

Se ele experimenta não pagar as contas, ficará sem energia. Se recusa-se a cuidar da sua saúde, adoecerá, ou as doenças que já têm se agravarão. Se resolve não sair de casa, perderá o contato com o mundo exterior. Se decide não fazer mais compras, a despensa se esvaziará. Se decide não trabalhar, ficará sem dinheiro e não terá o que comer. Se decide não tomar água, morrerá de sede, se decide não comer, morrerá de fome. Se pára de tomar banho, irá feder...

O homem é chamado à ação constantemente, não pode se dar ao luxo de cruzar os braços e não fazer nada sem sofrer alguma consequência.

XI

Se as nossas atitudes, costumes, escolhas e sobretudo o nosso comportamento são determinadas pela genética, o ambiente, a educação, a cultura entre outras coisas, como saber até que ponto eu sou eu mesmo e não fruto da soma desses fatores? 

Onde fica a minha originalidade nisso tudo, se eu herdei características de meus parentes, fui influenciado (positiva ou negativamente) pelo ambiente, fui moldado pelo meio? Quanto de mim é realmente meu?

Provavelmente, muito pouco, considerando que eu não formei a mim mesmo, a personalidade, a aparência, as aptidões, as fraquezas que tenho já vieram assim, não me restando outra opção senão aceitá-las...

XII

Quando me lembro que não pude escolher nada acerca das condições/circunstâncias do meu nascimento, me encho de alívio e também de pavor: Do mesmo modo que eu poderia ser um príncipe, herdeiro de um trono e regado de luxos, poderia ser um negro escravizado no Brasil império ou um judeu nos campos de concentração durante a segunda guerra mundial! 

Eu poderia ter nascido em condições infinitamente diferentes das que nasci, e isso mudaria por completo a minha história, para a melhor ou pior. É impressionante pensar nessas possibilidades que podiam ter me atingido, das quais não conseguiria escapar.

XIII

Não é necessário usar drogas para se tornar um dependente. Até mesmo uma pessoa que não faz uso de entorpecentes pode vir a ser escrava de algo ou alguém, seja de um sentimento ou uma sensação. 

Tudo o que é bom vicia, gera dependência, nos faz querer mais. Por exemplo, uma pessoa que amamos e a quem entregamos o nosso coração, fazemos dela a nossa vida, estamos na mão dela sem que ela saiba e nós percebamos. Isso explica o porquê de muitos crimes passionais de maridos/esposas que não aceitam o fim do relacionamento. 

Tudo o que nos dá prazer e nos faz sentir uma insaciável vontade de experimentar mais, é um vício, seja ele nocivo à saúde ou não. Ledo engano achar que os dependentes químicos são os únicos que dependem de algo para se sentir bem! Todos têm uma dependência (afetiva, social, financeira, etc) de algum tipo sem que o saiba.

XIV

Vivemos sempre a realidade do momento presente, que não é a mesma do dia de ontem e não será a mesma de amanhã. Estamos em um fluxo contínuo de mudanças que acontecem sem que possamos evitar.

A minha condição atual não é a mesma de dez anos atrás, e possivelmente - para bem ou para mal - não será a mesma daqui a dez anos. Todo presente vira passado, todo passado lembrança. Mudam-se as pessoas, os cenários, os hábitos, as tarefas, os problemas, as preocupações, os direitos, os deveres...

Se não fosse pelo fato de carregarmos o mesmo nome, termos a idade que nos mostra o nosso RG, mantermos os laços familiares e tudo o que nos vincula às nossas raízes, seria difícil dizer que ainda somos as mesmas pessoas em meio a esse turbilhão de alterações constantes.

XV

A vida é bela enquanto tudo vai bem. Enquanto tudo dá certo, enquanto todas as coisas estão em ordem, na mais perfeita harmonia e tudo está como deve ser. Sim, quando não temos com o que nos preocupar, do que nos queixarmos, ela é leve, é bela, é boa! 

Mas quando tudo vira de cabeça para baixo, as coisas mudam de repente, perdemos um ente querido, somos demitidos, somos acometidos por uma doença, sofremos alguma perda ou privação de qualquer natureza, enfim, quando a calamidade nos atinge, bem, nesses momentos é difícil continuar tendo a mesma visão romântica da existência. 

Somente quando a vida mostra a sua verdadeira face - que é essencialmente maligna - é que nos damos conta da gravidade que foi ter nascido e do horror de estar vivo.

XVI 

A infância é o mais belo acidente da vida. Nascemos para ser adultos! Chega a ser difícil acreditar que um dia estivemos livres das preocupações atuais, que víamos o mundo com bons olhos, que tudo era mágico e belo! Quando um adulto se lembra de que um dia já foi criança, sente-se como Adão fora do jardim do Éden, um desterrado. Se há algo que melhor se aproxima do conceito de felicidade plena, esta é sem dúvida a infância. 

Vendo as crianças que brincam felizes penso: Ah, pobre menino, pobre menina! Esta alegria não vai durar para sempre. Esse sorriso que agora carregas, há de ser desfeito pela dureza da vida e a maldade do mundo. Tu que hoje ris, amanhã chorarás. Pensarás: porque eu tinha tanta pressa em crescer? Lembrarás com saudade de tudo o que vives, saudades sentirás.

XVII

Se a intenção de alguém estando nesse mundo for "aproveitar a vida" ao máximo, sinto dizer-lhe que isto não é possível. 

Se fôssemos contar o tempo que gastamos com nossos compromissos, responsabilidades, trabalho e obrigações, e comparar com o que sobra livre para o lazer, a diversão, os prazeres em geral, veremos que há uma enorme desigualdade entre eles, e que na maior parte do tempo estamos empenhados em resolver nossos problemas e satisfazer nossas necessidades mais do que em qualquer outra coisa.

XVIII

Esse é um mundo de incompatibilidades, onde as coisas não são na prática como deveriam ser na teoria. A realidade é apenas uma e ela não se modifica para atender as necessidades de quem quer que seja. Cabe a cada um adequar-se à ela, mesmo que não tenha recursos para tal. 

Um mundo onde (teóricamente) todos devem trabalhar, mas muitos não conseguem emprego. Onde todos deviam ter uma casa e alguns não têm. Todos deviam ter saúde, mas muitos já nascem extremamente doentes. Onde todos deviam ser amados, acolhidos e aceitos como são, o que não acontece. Onde todos deviam ter acesso aos mesmos recursos, ter os mesmos direitos e privilégios, mas não é assim. 

Onde todos deveriam conseguir alcançar os seus objetivos e satisfazer as suas necessidades, o que para muitos não ocorre. É um mundo onde existem muitos que não conseguem o mínimo para ter uma vida decente, digna, faltando-lhes o básico. Um mundo de incompatibilidades e desigualdades, onde, para muitos as coisas não são como deveriam ser.

XIX

Só percebemos o quão jovem uma pessoa morreu quando alcançamos a idade em que ela se foi. Aí podemos ver se ela viveu muito ou pouco...Temos a estranha sensação de poder dizer: "Fulano não passou desta idade." 

Sabemos que ela não viveu nada mais depois disso. Mas enquanto para alguns a vida estava acabando, para outros na mesma idade ela está apenas começando, com a pessoa realizando os seus sonhos e vivendo coisas que até então não tinha vivido. "Enquanto há vida, há esperança", diz o ditado.

XX

Não sei se a longevidade é boa ou ruim. Talvez seja boa, talvez seja ruim, isso dependerá muito da pessoa em questão. Isto é, há pessoas cujas vidas são tão tristes, tão deploráveis, que viver muito só seria prolongar o sofrimento por mais tempo. Não que a vida delas seja medíocre (a de todos é), mas para alguns a vulgaridade da vida é de certa forma mais suportável. Mas para aqueles que vivem afogados em problemas, preocupações, que são assolados por doenças, devastados por acontecimentos que fogem do seu controle, que passam a vida como Jó sem contudo terem o seu cativeiro virado, para estes a dor é permanente e viver nem sempre é algo tolerável. Exigir que gostem de viver, que cheguem aos cem anos com um sorriso no rosto é pedir muito...

Aqui não se trata de uma defesa do auto-extermínio, senão de uma questão de honestidade. A longevidade pode ser boa para aqueles que têm condições de aproveitar a vida, ou melhor dizendo, dispõe de recursos para vivê-la com dignidade. Para esses viver muito pode ser um privilégio, para outros, que não se encontram em um estado favorável, viver muito já seria um castigo...

No entanto, penso que viver muito não é viver bem. De que adianta viver muitos anos se for para ser infeliz em quase todos eles? Morrer nesse caso seria um alívio. O importante não é a quantidade de anos que se vive, mas a intensidade com que são vividos. A longevidade não pode garantir a felicidade de ninguém, mas os longevos podem se gabar de terem visto muita coisa. Em termos de experiência, evidentemente eles estão em vantagem. 

Contudo, uma pessoa que morre na infância é mais feliz do que uma que morre em avançada idade cheia de dores. Um viveu muito e não lhe serviu para nada, outro viveu pouquíssimo mas foi feliz durante os poucos anos que viveu...

XXI

Pensar na morte é pensar em extremos. Todas as teorias apresentadas sobre o que acontece (ou não) após a morte são radicais. Imortalidade da alma? Sono eterno? Uma vida eterna num céu/inferno ou um estado de inexistência perpétuo? De todas as maneiras que pensarmos, estaremos lidando com idéias extremas. O que temos certeza é de que um dia morreremos, apenas isso. A morte é uma incógnita para nós. 

Há pessoas que não suportam a simples idéia de deixar de existir, como se isto fosse a maior de todas as afrontas que podem acontecer à um ser humano. Em contrapartida, outros abominam a possibilidade de viver eternamente através de uma alma imortal, existir para sempre contra a sua vontade...Ambos os medos são compreensíveis, visto que se trata de algo que não sabemos e cuja verdade não poderemos mudar. Isto é, não importa a crença que tivermos a respeito, "o que tiver de ser, será." 

Mas talvez pior do que as angústias que se têm quando pensamos no que virá ou não após a morte, são os medos que temos sobre quando ou como passaremos por ela! O medo de morrer jovem, morrer de forma violenta/dolorosa, sem termos realizado nossos sonhos, de sermos surpreendidos pela morte em um momento de felicidade...São temores igualmente naturais, considerando a realidade de nossa finitude.

XXII

Só saberemos o que uma pessoa será quando ela se tornar adulta. Não me refiro necessariamente à questões como profissão (embora esta também seja relevante), senão a caráter, personalidade, comportamento, crenças e opiniões. Enquanto é criança, ninguém (nem mesmo ela) sabe com precisão o que se tornará. 

Mesmo que os pais tenham planos, projetos, sonhos para os seus filhos, foge-lhes do controle fazer com que eles sejam o que se espera deles. Isto é, não é de se estranhar que pais cristãos tenham filhos ateus, cidadãos de bem gerem filhos criminosos, pais libertinos tenham filhos religiosos, ou que divergem de alguma tradição familiar (como seguir a mesma carreira dos antepassados). É também na idade adulta que se manifestam as neuroses, psicoses, transtornos mentais, fobias...Mas talvez o choque nunca seja maior do que quando o filho(a) estando em um estado de desespero (ou não) decide não mais viver, fazendo o que ninguém imaginava que pudesse fazer. Os suicidas criam asas, voam alto até demais...

Mas não só eles, os filhos em geral assumem uma personalidade própria -para bem ou para mal. Só quando se tornam adultos é que começam a trilhar os seus próprios caminhos, muitas vezes surpreendendo a todos com as escolhas feitas, inclusive a si mesmos.

XXIII

Não é difícil entender porquê uma pessoa se suicida. Qualquer um que tenha estado em uma situação difícil, se encontrado em condições desfavoráveis, encurralado por circunstâncias adversas, terá sentido o desejo de desistir. 

Provavelmente, nem o próprio suicida imaginava ser capaz de fazer tal coisa. No entanto, não conseguindo reagir positivamente aos empecilhos que se lhe opuseram, sentindo-se só, perdido e esmagado por forças que fogiam do seu controle, acabou sucumbindo ao desejo de pôr fim em tudo. 

O suicida não se mata para ferir ninguém, senão para curar-se de uma dor que de outra maneira não acredita ser possível curar. A morte é para ele a libertação de uma vida que é incapaz de viver, que muito lhe pesa, lhe faz sofrer. A decisão pode surgir repentinamente, ou ser trabalhada com cuidado, não há uma regra.

O suicida não deve ser condenado, julgado como o pior dos seres, ele é apenas alguém que decidiu não mais sofrer num mundo onde isto é comum e inevitável.

XXIV

As lembranças são somente espectros, imagens borradas do nosso passado. Quando recordamos um fato, sabemos que ele aconteceu, que estávamos lá e que é algo que tem a ver conosco. Porém, não podemos resgatar a sensação que experimentamos, o sentimento que tínhamos, não podemos revivê-los, é como se estivéssemos vendo um filme da nossa própria vida - como expectadores. 

O tempo apaga tudo, ou lança quase tudo no esquecimento. Ainda que uma música, um filme, uma fotografia, um vídeo, um objeto, um lugar possam transportar-nos ao passado, ele segue desprovido de cor, de vida, de sentimento. Todos os bons momentos se tornam apenas vagas lembranças, que tendem a ficar cada vez mais inexatas e distantes com o passar do tempo.

XXV

Se considerarmos tudo o que vivemos como sendo nada mais do que simples sensações, sentimentos, experiências, tiraremos o peso da imposição da felicidade, ou, da obsessão pelo bem-estar. Tudo é natural, tudo faz parte da vida, tudo é válido! 

A insistência em querer desfrutar somente de coisas agradáveis nos faz esquecer de que a vida não se limita a elas. E, principalmente, nos traz angústia, frustração, decepção. 

Só quando aceitamos que não existe um padrão para a vida, que sentimentos negativos são tão normais quanto positivos, que sensações ruins são tão naturais quanto boas, então a dor é suportada, a tristeza deixa de ser mal vista, as privações não nos incomodam como antes, a necessidade de aprovação e reconhecimento de terceiros desaparece! 

Por quê se preocupar com a qualidade das experiências se elas irão se apagar de uma só vez no duro golpe da morte?

XXVI

A vida não precisa de um sentido para ser vivida. Ela já é naturalmente absurda. Não são os grandes sentidos os que ajudam a viver, mas os pequenos. 

Um potencial suicida deve adiar a sua morte sempre que possível, tentando cumprir pela última vez pequenas tarefas que o prendam à essa vida: ver um filme inédito, terminar a leitura de um livro, assistir o final de uma novela, o jogo do seu time do coração, ouvir o novo álbum do seu cantor/banda favorita... Assim ele deve fazer, inventar diariamente um pretexto para continuar vivo, até que a morte chegue e o leve de uma vez.

XXVII

E de repente eu me vi só, perdido num mundo em que eu sempre estive, mas que até pouco tempo atrás eu não havia percebido como de fato era. Me pus a refletir, a analisar e medir tudo o que faço, vejo, o que diariamente acontece. Atravessei as barreiras do comum, desnudei as fronteiras da existência com o pensamento. Tudo me cansou, nenhuma ilusão restou, só uma terrível lucidez, lucidez nascida das profundezas do tédio.







quarta-feira, 23 de junho de 2021

Frases e pensamentos

A vida é como um filme: para alguns uma aventura, para outros uma comédia, para muitos um drama ou simplesmente terror. 

O sentido da vida é sofrer, sofrer a troco de nada. 

O pior não é ter de morrer e sim a forma que somos obrigados a viver. 

O homem está condenado a se arrepender das coisas que fez e das que deixou de fazer. 

As lembranças são difíceis de lidar: as coisas boas não voltam e as ruins ainda nos fazem sofrer. 

É possível contar quantos dias vivemos, mas não saber quantos nos restam.

Demoramos nove meses para nascer e morremos dentro de um só dia. 

É quase impossível passar pela vida sem pensar em suicídio em algum momento. 

Só há uma forma de entrar na vida mas há várias formas de sair dela. 

Não é possível para o homem prolongar os seus anos sobre a terra, somente encurtá-los. 

De todas as fases da vida a idade adulta é a pior, e a que infelizmente dura mais tempo. 

A idade não torna ninguém sábio, apenas mais velho.

A maneira como você vê a morte definirá a forma como você viverá. 

De todas as milhares de espécies de seres vivos existentes, consegui a façanha de nascer na pior de todas: a humana! 

Não sei como os homens conseguem viver tão tranquilos com o bafo da morte em seus cangotes. 

Embora seja possível passar pela vida sendo privado, parcial ou totalmente das coisas boas, é impossível escapar das ruins, por mais que se tente evitá-las. 

O maior gesto de amor de um pai para com o filho é não trazê-lo ao mundo. 

Embora tenhamos total certeza de que não existíamos antes de nascer, não podemos afirmar com a mesma segurança que ao morrer deixaremos de existir. 

A nossa falta de pragmatismo só vem à tona quando surgem problemas complexos e não sabemos como resolvê-los. 

Se o homem pudesse evitar o seu próprio nascimento, não se sentiria tentado depois de nascido, a buscar a sua própria morte. 

Quando a vida se torna um fardo, sem dúvida se torna o mais pesado de todos, pois a existência não admite subterfúgios.

Só tenho inveja de dois tipos de pessoas: as abortadas e as que morrem criança. 

Quando se acabam os nossos estoques de escapismos, já não temos para onde fugir nem como escapar da realidade, só nos resta encará-la. 

Se meditarmos sobre o estado no qual nos encontramos, ficaremos diante de dois abismos: podíamos estar em condições melhores, como também podíamos estar em condições infinitamente piores. Numa escala de comparações veremos que poderíamos ser bem mais felizes do que somos ou ainda mais desgraçados do que julgamos ser. 

Se alguém não for feliz na sua infância, em qual outra fase da vida será? 

Toda a vez que vejo um esqueleto humano penso: eis uma pessoa que se aposentou da existência. 

Quem têm uma doença rara deve se considerar sortudo ou azarado? 

A depressão é a mais perigosa de todas as doenças, pois é a única que rouba do doente a vontade de viver. 

Nunca diga: "Essa é a pior fase da minha vida." Você ainda não sabe o que pode vir pela frente. 

O nascimento é a caixa de Pandora: evite-o e estará a salvo.

Depois que nascemos não podemos esperar nada bom, pois o melhor que poderia nos acontecer era justamente não ter nascido. 

É curioso como são as coisas: precisamos nascer para descobrir que a vida é ruim. Mas se os nossos pais tivessem percebido isto e não tivessem nos colocado no mundo, teriam nos poupado de todo o trabalho de constatação...

No nascimento encontra-se todo o mistério da vida e do ser: se pudéssemos voltar no tempo e evitar tão despropositado erro, encontraríamos a felicidade antes mesmo de chegar a conceber tal conceito. 

Só aquele que não nasce se salva da vida e também da morte.

Quem pode ser feliz conhecendo bem a realidade? 

O ruim de cometer suicídio é que as pessoas se lembram mais da forma que você morreu do que da vida que teve. 

O suicídio cheira a trapaça: se é só se matar que morrendo se acaba com tudo, então é algo tão simples, tão fácil que perde a graça...

Suicídio é uma decisão emocional, não racional. 

Aquele que se mata está se privando da chance de um dia ser feliz. 

A criança sorridente de hoje é o jovem niilista de amanhã. 

Vivemos de sonhos pra que a realidade não nos mate. 

Se comparado ao inferno, esse mundo é um paraíso.

Quantas doses de tristeza um homem consegue suportar? 

A única coisa que aumenta sem precisarmos fazer nada é a idade. 

Nenhuma dor deve ser banalizada, porque é real para aquele que a sente. 

Matar um famoso é a forma mais fácil de entrar para a história e também a mais vergonhosa. 

Não tentem se enganar dizendo que cada pessoa é bonita do seu jeito, a desigualdade estética existe. 

Tudo é mais fácil na teoria, tudo é mais belo na imaginação. 

Que pena que quando eu estiver morto não poderei ver a repercussão da minha morte! 

Pior não é estar triste, mas sim ter de fingir que está tudo bem. 

A memória é incrível: se esquece do que ocorreu há dois dias mas se lembra de algo que aconteceu há dez anos atrás. 

Não há limites para a maldade humana, exceto a morte.

Tem certas pessoas que deveriam nascer mudas, porque por si mesmas não conseguem parar de falar!

É curioso como todo mundo vira doido depois que vai preso...

Todo vivente nasce com uma sentença contra si, uma pena de morte que pode ser executada a qualquer momento sem aviso prévio. 

Quando um político faz um bom governo, não faz mais do que a sua obrigação. Porém, para certos povos, isto é tão incomum que chega a render-lhes louvor. 

Aqueles que privam o povo de viver sob uma ditadura deviam ao menos proporcionar uma democracia decente em troca. 

Não existe ética, lei, justiça ou razão quando os mesmos são negados: assim sendo, o senso de justiça dos presos e dos justiceiros populares são pura ironia. 

As pessoas geralmente respeitam a sua opinião contanto que não divirja da delas. 

Entre a suspeita e a certeza, há um abismo enorme. 

A amizade é a forma de amor mais pura: não possui laços sanguíneos e é isenta de interesses.

Forte é aquele que não têm vergonha de demonstrar a sua fraqueza. 

As pessoas prezam pela quantidade das palavras, eu, pela qualidade delas.

Detesto os meus defeitos, mas não saberia viver sem eles. 

O que sinto não pode ser expressado em palavras. Teria que criar um novo vocabulário para exprimir toda a dor, raiva, tédio e cansaço que carrego. 

Só acredites naquilo que tens motivo para acreditar: nem tudo que é ensinado é verdade, nem toda verdade é ensinada. 

Fama nem sempre significa merecimento. 

O sofrimento ensina mais sobre a vida do que dez livros de auto-ajuda juntos.

É melhor ter delírio de grandeza do que complexo de inferioridade. 

Defina-me o que é normal e eu te direi o que é patológico.

O melhor lugar para se sentir vivo é o cemitério. 

Só acredito no amor de Deus, do cachorro e da família.

Não sei se sou melhor ou pior do que os outros, só sei que não sou igual. 

Hoje sei mais do que ontem, amanhã saberei mais do que hoje. Não sei dizer se estou melhor do que antes, senão que nunca mais serei o mesmo. Experiências são marcas que não podem ser apagadas. 

A dor te faz forte, a experiência te faz sábio, o amor te faz perfeito.

terça-feira, 1 de junho de 2021

À um bebê morto

Prematuro nasceste, nada viveste e já morreste.
Recolhido foste à teu verdadeiro lar, Deus para si o tomou dizendo: 
"És puro, aí não podes ficar".

Muitas coisas perdeste, 
muitas coisas não viste 
nem poderás ver. 
Não conhecerás a dor que na vida existe, nunca chegarás a saber. 

Não andarás de pés descalços sobre a terra, não brincarás com os teus amigos.
Não sonharás nem amarás, 
tampouco chorarás. Estás privado de todos os bens 
mas livre de todos os perigos.

Aflige-me a consciência 
pensar que isso tinha que acontecer.
Porque a ti coube uma tão curta existência? O que direi de tal mistério, como posso entender?

Dorme, descansa, nobre bebê! 
A inocência é tua perpétua veste, com toda a certeza.
Partiste cheio de pureza, alvo era o teu ser! 
Voa para o céu ó criança, 
tu que mal nasceste 
e já tiveste que morrer!

sábado, 15 de maio de 2021

Autodescrição

Caminho, sem saber o meu caminho, 
cercado de gente
mas sempre sozinho, 
homem feito (com mil defeitos) que nada espera e tudo sente. 

Atento ao meio, por vezes descontente, 
mergulhado em fantasia 
mas da realidade sapiente. 
Vivo com receio, 
sem nenhum grande anseio, afundado em nostalgia. 

Desiludido consciente, 
cansado até não poder mais. 
Muitas vezes calado, aéreo, alheio ao ambiente, 
um estranho entre os iguais. 

Vivido e também inexperiente, em algumas coisas sabido, noutras inocente. 
Nem herói, nem vilão, nem delinquente, só um rapaz, um lutador. 

Na escola do desgosto me formei, no ofício da amargura me tornei doutor. 
Tardio para o amor, precoce para a dor,  
quem eu sou não sei, 
mas se com ternura me perguntarem então direi:
apenas um jovem vazio, 
um poeta sofredor. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Espasmos da mediocridade

I

Eu ainda não entendo como tudo aconteceu. Por mais que me esforce, não consigo entender. Haverá uma explicação plausível para tudo isso? Talvez sim, talvez não...quem o sabe?

Porque em tantos países e lugares fui nascer logo nesse? Porque em tantas épocas e períodos da história tive que nascer no atual século? Porquê não antes ou depois? Porque justo agora? Porque esse dia, esse ano, essa data? Porque sou dessa classe social e não de uma mais elevada, ou mesmo inferior? Porque sou dessa família e não de outra? Porque tive que nascer simplesmente? Isso era realmente necessário? Ou foi um acaso, um acidente como outro qualquer? 

Porque carrego esse nome, essa idade, porque eu sou eu e não outra pessoa? Porque essas experiências, essas lembranças, esses acontecimentos...Porque essas enfermidades, esses medos, esses complexos, essas dúvidas? Porque cada riso, cada lágrima, cada dor, cada emoção...Porquê tudo aconteceu da forma que aconteceu, na ordem exata que aconteceu? Porque essas pessoas e não outras? Porque esse cenário, esse contexto, essa história? 

Tomo um café, escuto uma música, leio um livro, me distraio. Tento não me desgastar com perguntas sem nexo, absurdas como a vida, tão sem sentido quanto a existência. Olho para a minha carteira de identidade, vejo o dia exato do meu nascimento, a data em que vim ao mundo. Rastreio minhas origens, vejo o começo de tudo.

Não posso entender como o meu ser tomou forma, se tornou o que é, resultando no que hoje sou. Infinitos séculos de inexistência foram quebrados por esse ato. Através dele, a harmonia e tranquilidade do não-ser foi rompida, o doce e sagrado repouso do nada foi perturbado repentinamente. O tesouro mais precioso foi roubado, um mistério foi profanado! Nada voltará a ser como antes. Nem mesmo um retorno ao estado original poderia anular tudo o que já aconteceu, nunca se volta puro como se veio. Hoje sou, amanhã não serei mais! Mas deixar de ser não é a mesma coisa que nunca ter sido

Haverá algum propósito oculto por trás de tudo isso? Alguma lição a ser aprendida? Uma missão a ser cumprida? Talvez sim, talvez não...quem o sabe?

II

Sinto o vento passar pelo meu corpo, meus pés tocarem o chão. Saboreio o alimento que com avidez como, sacio a minha sede. Eu estou vivo! A sensação de ser e estar no mundo é deveras fascinante. Por um segundo penso no milagre que há por trás disso. Eu que até pouco tempo atrás não existia e não era nada, aqui estou, escrevendo essas linhas que você agora lê. Eu nasci, ganhei um nome, me tornei alguém. O que será de mim daqui a algumas décadas? Irei à algum lugar diferente ou não irei à lugar nenhum?

Vejo o calendário, sei o limite que posso chegar. Não mais que isso (menos talvez), mas de forma alguma mais do que esses contados e fracionados anos. A absoluta certeza de que não estarei mais aqui quando este limite chegar ao fim, tranquiliza-me e ao mesmo tempo apavora-me! 

Me vem à mente todas as pessoas que já passaram por este mundo. Diferentes rostos, diferentes histórias, diferentes épocas e um mesmo fim. Pessoas que viveram, sonharam, sofreram, amaram e morreram e que hoje não são mais que uma simples recordação. Algumas nem isso! Desapareceram no tempo, junto com a sua geração e todos os que as conheceram, pois não entraram para a história. Apesar disso, foram reais, existiram, viveram e sentiram de fato, assim como eu e você que lê isto. E o que faziam elas? Ora, o mesmo que nós hoje. Embora não pareçam reais para nós, por ser difícil nos situarmos em um espaço tão longínquo ao nosso conhecimento e experiências pessoais, essas pessoas eram reais em sua época, para sua família, na sua geração. A vida era tão real para elas como é para nós. E assim o será para as próximas gerações, enquanto o universo durar. 

A vida recomeça toda vez que alguém nasce, e acaba sempre que alguém morre. Toda vida termina em morte! Tudo envelhece, definha, murcha e por fim perece. Que glória eu posso alcançar se sei que um dia tudo terá fim? Nenhuma conquista ou legado terá realmente valor para mim se eu não puder ver sua importância agora, ainda que possa servir às futuras gerações e meus descendentes. 

Sei que serei lembrado por algum tempo, mas quando meus familiares, amigos e conhecidos tiverem partido também, serei completamente esquecido.

Porque levar tudo a sério demais? A certeza do fim nos dá a medida de nossa insignificância. Daqui a 100, 200 anos não viverei mais, me parece cômico sofrer por qualquer problema, por mais sério que seja, se no fim das contas a morte terá a palavra final...

III

Antes de eu nascer, o mundo já era o que é, e depois que eu morrer tudo continuará como sempre foi. O universo é indiferente à esses fatos. Meu nascimento e morte não significam nada para ele, assim como a minha existência em particular. Se eu não tivesse nascido não teria mudado nada. Minha morte tampouco mudará alguma coisa. Pode-se dizer que se não fossem os vínculos afetivos que construímos ao longo dos anos, não teríamos importância nenhuma para quem quer que seja. Para o cosmos, a vida de um homem é tão irrelevante quanto a de um inseto, bem como sua morte e seus problemas pessoais. 

O que sou eu afinal? Sou uma história com o final já escrito, cuja autoria divido com os dedos do destino. Sou um pó pensante, matéria consciente e animal racional. Sou isto que se encontra suspenso entre o começo e o fim, este intervalo entre duas datas, nascimento e morte.

O resto do mundo é indiferente à minha pessoa e eu a eles. Meus problemas, preocupações, minhas dores, desilusões só dizem respeito a mim, assim como minhas conquistas e vitórias só são importantes para mim. Meu sucesso ou fracasso não afetará em nada a vida dos outros, da mesma forma que o deles nada alterará na minha. 

Porque então sinto como se todos estivessem preocupados comigo? Como se cada ato, cada gesto meu, cada ação minha pudesse impactá-los...como se dependesse de mim o destino do mundo e o futuro da humanidade! Grande presunçoso eu sou! Minha vida só é importante para mim, meus familiares, amigos e conhecidos, se muito.

IV

Por um instante penso em toda a dor que há nesse mundo. Imagino todo o sofrimento, todos os horrores que podem haver nessa vida. Vejo toda a injustiça, toda maldade, toda a crueldade que foi feita debaixo do sol e chego à mesma conclusão do pregador em Eclesiastes: que felizes são os que já morreram e principalmente os que ainda não nasceram! 

Parece que por um segundo toda a história passa diante de meus olhos. Posso ver tudo, acompanho de perto o drama da raça humana ao longo dos séculos. Ouço o grito dos que sofrem, escuto seus gemidos. A cortina cai e todo esse espetáculo torna-se real para mim. 

Desde que Adão e Eva foram expulsos do jardim, a trajetória do homem tem sido uma caminhada penosa em um mundo hostil, a luta pela sobrevivência, pela vida, pela subsistência. Caim nos mostra o que nos tornamos, Abel o que deveríamos ser. 

Quantos crimes bárbaros foram cometidos? Quantos assassinatos ocorreram? Quantos sequestros e raptos foram feitos? Quantas guerras aconteceram até hoje? Quantos soldados morreram em um campo de batalha? Quantos foram feridos em combate e acabaram cegos, loucos, mutilados? Quantos foram presos ou mortos por protestar contra tiranos que governavam seus países? Quantas mulheres foram estupradas, violentadas, subjugadas? Quantas delas os seus próprios maridos mataram? Quantas crianças foram abusadas sexualmente? Quantas perderam a infância trabalhando? 

Quantas pessoas foram escravizadas? Quantas perderam sua liberdade e dignidade por serem "inferiores"? Quantas pessoas morreram vítimas de uma bala perdida? Quantas foram soterradas em um terremoto? Quantas morreram por causa de um furacão, um tsunami, um desastre natural? Quantas foram torturadas, submetidas aos piores tormentos por seus carrascos? Quantas pereceram durante as maiores pestes e epidemias que já tivemos?

Quantas morreram em meio a um naufrágio, um desastre aéreo, um acidente automobilístico? Quantas pessoas foram levadas pelo tráfico humano, forçadas a trabalhar de graça ou a se prostituir? 

Quantos fetos foram abortados? Quantas mães morreram dando a luz à seu filho? Quantos bebês nasceram mortos? Quantos foram abandonados pela própria mãe? Quantas pessoas tiveram uma doença rara, uma deficiência, uma deformidade? Quantas foram martirizadas por confessar sua fé? Quantas morreram de fome, sede ou frio? Quantas pessoas cometeram suicídio até hoje? 

O show de horrores parece não ter fim. Toda situação horrível, angustiante e desesperadora que se possa imaginar ainda será pouco. Um simples vislumbre desses fatos não é suficiente para dar conta de tudo de ruim que aconteceu, acontece e continuará acontecendo aos homens enquanto a humanidade durar e o mundo existir.

V

Chega a ser impressionante a forma como a vida das pessoas é tão tediosa e previsível. Não é difícil prever os atos de uma pessoa nem deduzir o que fará. É realmente incrível como cada um se vê forçado a agir de determinada maneira, compartar-se da forma que lhe é solicitado. O curioso porém, é que poucos percebem isto, entram na dança sem se dar conta e ainda acreditam que estão dançando por vontade própria. 

Quando vou à um supermercado por exemplo, vejo os funcionários que lá trabalham. Não descansam domingos, feriados, quase não folgam. Apesar disso, tentam manter um sorriso no rosto toda vez que atendem um cliente. Volto no dia seguinte e os encontro fazendo a mesma coisa, com o mesmo uniforme. Começam a trabalhar sempre na mesma hora e saem no mesmo horário. O cartão registra a entrada e a saída de cada um. Ao chegarem, dão bom dia, ao irem embora se despedem dos colegas. Vão para casa, jantam, dormem, e na manhã seguinte a jornada recomeça. E assim continua, até que venham as férias ou algum recesso...

Todo este esforço é feito visando alcançar uma quantia exata de dinheiro no fim do mês, o salário. Dinheiro, esse pedaço de papel que move o mundo! Sem ele praticamente nada pode ser feito, e por ele se vive, se mata, se morre...É algo de fato necessário, pois sem ele não se pode satisfazer nenhuma necessidade, quanto mais realizar sonhos!

O funcionário de um supermercado é apenas um modelo. Obviamente, ele não é o único que passa por isto, que participa desta luta diária. Contudo é uma boa representação desse empenho, a batalha pelo sustento e os itens básicos. 

A pergunta que me faço é: eles trabalham felizes? Fazem o que gostam? Gostam do que fazem? Provavelmente não. Se pudessem escolher outra profissão, certamente o fariam sem pensar duas vezes. Mas por não terem oportunidade de escolher, é o que lhes restou para fazer. Claro que não são os únicos, em toda área deve haver um profissional insatisfeito, mesmo que não confesse sua insatisfação. 

No entanto, esta situação que atinge tantas pessoas, nada mais é que uma consequência de um mal maior, o mal necessário que é ter que trabalhar! É difícil acreditar que alguém realmente goste do trabalho. Trabalhar é uma necessidade, não uma opção muito menos uma diversão. É algo ao qual todos precisam se submeter, como um remédio amargo, indigesto mas vital. Ninguém em sã consciência abriria mão daquilo que lhe é mais precioso, o seu tempo, as suas horas, os seus momentos de lazer, para executar todo dia a mesma tarefa, tolerar colegas chatos e engolir desaforos do chefe em troca de uma merreca mensal! 

Se o mundo não fosse movido a dinheiro, se tudo não dependesse dele, se não tivessem contas a pagar, mensalidades, ou se existisse uma forma de conseguir dinheiro sem precisar trabalhar, tenho certeza de que ninguém trabalharia, nem mesmo esses que se gabam de ser trabalhadores e criticam os "preguiçosos". Se isto fosse possível (viver sem dinheiro ou houvesse outra forma de obtê-lo), ninguém se submeteria a essa tortura diária, todos ficariam em casa fazendo o que gostam (lendo, vendo TV, ouvindo música, etc), passeariam a qualquer hora do dia em plena semana, enfim, todos cairiam num ócio total, feliz e consciente.

VI 

Sempre me impressionou a maneira como os homens brigam, discutem, pelejam entre si. Matam-se uns aos outros por banalidades. Nós simplesmente não conseguimos viver em paz! Desde a infância, colocam apelidos, zombam, ofendem o seu semelhante, inventam pretextos para considerá-lo inferior e (o que é pior) fazê-lo se sentir assim. É curioso que embora todos estejam na mesma condição, é próprio do homem criar hierarquias para se diferenciar de seus iguais. O apartheid ocorrido na África do Sul ilustra isto, mesmo hoje tal fato histórico continua sendo uma das maiores vergonhas da humanidade.

A cor da pele, a religião, a etnia, a nacionalidade, o sexo, a classe social, a ideologia, etc, tudo parece servir de desculpa para nos separar, nos dividir, nos colocar em conflito. Esses preconceitos, essas crenças infundadas são a base para a exploração, o massacre, a escravidão, a opressão. Tem sido assim desde o começo da história e infelizmente não deixará de ser enquanto o mundo existir.

Os homens deveriam entender (ou ao menos fazer um esforço) a precariedade de sua condição. Se percebessem as limitações que possuem, os riscos que correm e a fragilidade que é sua vida, talvez não vissem no outro um inimigo, um pária, um ser desprezível, mas reconheceriam nele o seu próximo, o seu semelhante, o seu igual, companheiro de aflição, irmão no sofrimento. Se isto acontecesse, acabariam-se as guerras, os crimes, as opressões, injustiças, crueldades. 

Mas claro que isso é impossível, pois o homem é egoísta e pode fazer de tudo, menos amar o seu próximo e se compadecer dele. O amor ao próximo precisa ser exercitado e aprendido justamente por não ser algo próprio da nossa natureza. O altruísmo é uma virtude por não ser algo comum, já que o egoísmo é o que predomina.

VII

Não há futuro para a humanidade. Fico observando admirado o esforço, o empenho dos humanistas em tentar construir um mundo melhor. É de fato belo acreditar na evolução do homem, é nobre pensar que podemos evoluir, sermos mais solidários e humanos uns com os outros. Contudo, isto não passa de uma doce ilusão, uma utopia a mais dentre muitas. 

O homem é mau por natureza, como dizia Maquiavel. Embora Rousseau acreditasse que ele nasce bom e a sociedade o corrompe, eu não vejo dessa maneira. Ao contrário, penso que se não fosse pela civilização, o mundo seria ainda mais selvagem e caótico do que já é.

É ela que mesmo com suas falhas, imperfeições e limitações consegue impedir que o homem mostre toda sua ferocidade animal, seu egoísmo, sua maldade, sua crueldade. Se mesmo com tantas leis, multas, punições, as instituições não conseguem frear os crimes, as trapaças, as falcatruas, as explorações, os assédios sexuais, subornos, agressões físicas ou verbais, injúrias raciais, imagine se não as tivéssemos? 

Não estamos preparados para a anarquia. Sabemos que o homem sem lei seria o mais terrível dos predadores. Sem medo de ser punido, todos fariam o que bem quisessem, os escrúpulos seriam descartados, a moral jogada fora. Enfim, cairíamos no caos. 

Apesar do homem ser extremamente corrupto, mau, depravado, egoísta, narcisista, egocêntrico e cruel, não se pode negar que o meio em que ele vive colabora fortemente para isso. Precisaríamos de uma sociedade mais igualitária, leis justas e que de fato funcionem, um estado forte que combata a corrupção, a criminalidade, as desigualdades e se preocupe com o seu cidadão. Mas é óbvio que isto não é factível. Os que estão no poder são os primeiros a se corromper. Se não entram corrompidos, saem de lá assim. 

Os patrões nunca se preocuparão com o bem-estar de seus empregados, os políticos não deixarão de roubar os cofres públicos, os juízes corruptos não recusarão suborno, os policiais não pararão de matar inocentes, os garimpeiros não respeitarão os índios nem o seu território, os falsos líderes religiosos sempre explorarão seus fiéis, os caçadores continuarão matando animais em extinção, os desmatamentos continuarão, a usura, as fraudes, o tráfico de drogas, de armas, o lucro do mercado bélico proporcionado pelas guerras, nada disso acabará. 

É incrível como a humanidade não aprendeu nada até o dia de hoje. Todo homem que nasce repete os erros de seu pai, e o filho desse homem repetirá os erros dele e de seu avô. O homem nasce em condições más, desfavoráveis, mas consegue a façanha de tornar a vida de seu semelhante ainda mais insuportável do que já é. Tentar fazê-lo entender ou lhe ensinar bons valores, preceitos morais, dignos, solidários, nobres e altruístas é perda de tempo. 

A maldade que há dentro dele acaba prevalecendo, sendo impossível modificar a sua perversa natureza. Por mais que poetas, filósofos, religiosos, revolucionários, militantes e ativistas tentem aprimorá-lo, ele continuará sendo o que é, o homem é o lobo do homem,  disse muito bem Thomas Hobbes. Claro que há as exceções, mas como a palavra já insinua, são poucas, muito poucas as pessoas que não agem ou não agiram assim, seguindo seus instintos ferinos e atrozes e demonstraram algum tipo de amor e empatia pelo próximo. 

A única salvação possível da humanidade seria a extinção voluntária da raça mediante a decisão racional pelo antinatalismo, mas evidentemente isso é apenas uma utopia a mais, dentre muitas...

VIII

Acredito que a vida foi projetada para ser boa. Não nego que haja coisas belas e agradáveis nela que são capazes de nos fazer sorrir, nos alegrar. Ver uma borboleta, sentir o aroma de uma flor, subir em uma árvore, ver o pôr do sol...A questão é se estas coisas são suficientes para compensar nosso esforço, todo o empenho que precisamos ter para viver a vida...Não seria o preço que se paga para viver demasiado alto e o retorno pouco satisfatório? Será que ao nascer não fazemos um mau negócio trocando a paz e a tranquilidade que antes tínhamos por penas, dores, cansaço, angústias? A vida é bela apesar de tudo? 

Se fizermos algumas considerações sobre a vida veremos que ela não é tão boa quanto pensamos ou desejamos que seja. O que acontece é que sempre tentamos ver o lado bom das coisas, ainda que o mau seja visível e predomine.

Já nascemos com prazo de validade, temos que trabalhar para viver. Suportamos inúmeras enfermidades. Vamos envelhecer e por fim morrer. Além disso, não pedimos para nascer e encontramos um mundo muito injusto. Temos muitas necessidades e obrigações e pouca diversão e satisfação. Não é possível viver sem preocupações e problemas, sejam eles econômicos, sentimentais e de saúde...Não temos o controle de nossas vidas, não podemos prever infortúnios, doenças e não sabemos quando vamos morrer. Queremos escrever nossa história, mas isto não depende só de nós. Muitas vezes as circunstâncias mudam nossos planos e projetos e temos que nos adaptar à situação. Não temos certezas absolutas e não sabemos em quê acreditar. 

Não obstante os riscos sem fim aos quais estamos expostos, as dores que sentimos, as decepções que temos, os incessantes combates que travamos, as calamidades que vemos, ainda somos capazes de sorrir, de sonhar, de ter por algum momento instantes de alegria que parecem anular e nos fazer esquecer tudo de ruim que passamos. Esta é a sina do homem! Contentar-se com porções fragmentadas de satisfação, as pequenas doses de felicidade que recebe. Ele vive para isso, vive por esses segundos que fazem o mundo parar de girar, quando todas as mazelas são esquecidas e todo o resto deixa de ter importância. 

O homem é sem dúvida um herói, pois mesmo conhecendo o seu destino, luta bravamente contra ele e tenta fazer cada segundo da vida valer a pena. Vive como se não fosse morrer nunca, mesmo podendo morrer a qualquer momento! Apega-se à sua vida sabendo que um dia irá perdê-la, ama-a, mesmo sendo ela a fonte de toda a sua dor! 

Como se vê, a vida não é bela nas condições que temos para existir, porém o homem faz dela algo grandioso por moldá-la e vivê-la intensamente apesar de todas as dificuldades.

IX 

Sonhar com a felicidade é o mesmo que acreditar em fadas, duendes, unicórnios, penso eu. São coisas belas e fascinantes, mas que simplesmente não existem. Por mais encantadoras que possam ser, não são reais. Eu até posso acreditar nelas, mas não devo esperar nenhuma prova de sua plausibilidade. 

Quem sonha com a felicidade num mundo como esse, numa realidade como essa, ilude-se, engana-se. Quando puder ver finalmente o que a vida é de fato, cairá em uma profunda angústia, decepção, desilusão. Não é melhor se preparar psicológicamente para encarar os fatos, ao invés de criar um mundo de fantasias, incompatível com o mundo real, tão visível e óbvio? 

As pessoas procuram razões para viver e criam condições para ser feliz. Pensam que se forem bem-sucedidas no amor, no trabalho, tiverem posses, uma família, um corpo perfeito, status social, etc, ficarão satisfeitas. Mas ocorre que não conseguem alcançar o que querem ou quando alcançam se frustram por ver que nada disso pode satisfazê-las, bem é aí que está o problema. 

Não devemos buscar razões para viver nem fazer do outro a nossa razão de viver. Isso é um erro. Nossa razão de viver deve ser nós mesmos, e o motivo: a própria vida. Porquê senão seria como construir um castelo de areia que pode ser desfeito a qualquer momento, na primeira onda do mar. O homem deve aceitar viver em qualquer situação, sob qualquer circunstância, não deve desejar ser feliz o tempo todo, tem que estar pronto para o pior enquanto espera o melhor. Se não for assim, na primeira dificuldade que tiver ao longo da vida, ele se decepcionará e ficará triste. Tem que entender que aqui não é um parque de diversões onde estará se divertindo o tempo inteiro. 

Se alguém não tiver isto em mente, não entenderá o real motivo de seu sofrimento e chegará à conclusões equivocadas sobre si mesmo. Aí dará margem à vícios, transtornos mentais e vários sentimentos nocivos. Se há uma coisa que todos precisam entender é que ninguém fez nada para estar sofrendo, não têm culpa nisso. Basta sair à rua, ler um jornal, estudar um pouco de história e ver que o sofrimento e a dor (diferente do gozo e da alegria) são universais, atingem a todos indiscriminadamente. Ainda que não seja na mesma intensidade (uns mais repetidamente e em maior proporção), o fato é que ele atinge a todos sem distinção, todos os seres vivos o experimentam. Todas as criaturas gemem, choram, rastejam, clamam por sua libertação. O mundo é um paraíso perdido, um vale de lágrimas, só não vê quem não quer. 

Todos carregam a sua cruz, escondem seus medos, lidam com as suas frustrações, seus traumas, suas angústias, suportam suas doenças, dores e incômodos. Olhando de fora talvez não notamos, mas só a pessoa que sente é que sabe. Temos o costume de achar que a vida do outro é melhor que a nossa mas não sabemos como é de fato. 

Você não fez nada para estar nessa situação ruim, não é culpa sua. Pouca coisa está no seu controle. Você não pode ter tudo o que quer, ainda que queira tudo o que não pode ter. O que você fez de errado afinal, para se sentir assim tão infeliz? Nada, você simplesmente nasceu! 

Tente pensar em uma casa com goteiras: você coloca um balde aqui, outro ali, mas sempre têm água caindo por algum buraco. Você tapa um mas outro continua pingando, molhando a casa e fazendo todo os seus esforços parecerem inúteis. Por mais que você tente tapar todos os buracos, não consegue, pois são muitos e sempre fica um a ser coberto. Sua alegria de ter conseguido tapar um buraco e parar a goteira é anulada rápidamente quando percebe que têm outros buracos a serem cobertos. E assim continua a sua luta, épica mas utópica...

É isto que acontece com nossas vidas: a prefeita harmonia de todas as áreas dela é quase impossível. Podemos estar bem de saúde e frustados no amor, podemos estar bem de saúde e realizados no amor mas passando por dificuldades financeiras...Geralmente temos que lidar com alguma falta, a plenitude que poderia nos levar à felicidade plena não ocorre, estamos sempre tapando alguma goteira em nossa vida sem que alguém perceba...

O homem só será pleno na morte, pois somente morto não sentirá mais falta de nada.

X

Acho engraçado como tentam nos fazer ver o lado bom das coisas nos mostrando exemplos de superação. É sem dúvida admirável que algumas pessoas tenham conseguido superar seus problemas, transpor suas barreiras, driblar seus obstáculos e ultrapassar suas limitações. No entanto, tomar esses casos como referência é ignorar que as exceções não são a regra, o que serve para um não vale para todos, "cada caso é um caso" digamos assim. O fato de que uma pessoa tenha dado a volta por cima, vencido um desafio ou aprendido a conviver com uma doença, uma limitação, uma perda que teve, não faz com que todos sejam capazes disso, ou pelo menos não obriga os demais a terem a mesma força, a mesma motivação, a mesma paciência. Cada pessoa é única, e mesmo passando pelas mesmas adversidades, é diferente a forma como cada uma reagirá. 

Mas não só isso, devemos ter em conta em primeiro lugar a inutilidade do sofrimento. A idéia de que se pode aprender ou extrair alguma lição dele é uma doce ilusão que criaram para poder se consolar pelos reveses que sofrem, como se fossem ser recompensados por isto. 

Tudo que a vida rouba ela não devolve, tudo que ela tira ela não repõe. Quem sofre um agravo, uma injustiça, não deve esperar ser indenizado por isso. Nossos anos de luta não serão substituídos por outros de glória, pode até ser que isto aconteça, mas não há nenhuma garantia. 

Tudo o que conquistamos tardiamente, outro logrou conquistar mais cedo e não teve nenhum prejuízo nisso. Tudo o que alcançamos com dificuldade, outros conseguiram fácilmente e não tiveram nenhum dano. O que para alguns foi negado, para outro veio em dobro, triplo, mais do que precisava. O que em alguns falta, em outros abundam, sobram a ponto que se desperdiçam. 

Alguém que nasce com uma deficiência, sofre a perda de um de seus sentidos ou tem suas funções afetadas por um acidente, uma doença, ela não poderá executar suas tarefas mais básicas com a mesma facilidade que uma pessoa normal, não terá a mesma independência e autonomia. Estará condenada a passar o resto de sua vida nesta condição. Se ela já tiver sido normal, sentirá saudade da época em que não era afligida pelo problema. Se nunca foi, viverá na curiosidade de saber como é ter essas funções normais, tão naturais aos outros mas que à ela lhe foram negadas. 

Os casos de superação servem de aprendizado por mostrar o quão importante é a força de vontade, a resiliência, a paciência e a perseverança. Apenas isto. Mas não que exista uma vantagem real no sofrimento, ou que o sofredor será de alguma forma gratificado por tê-lo suportado. Não! O pobre não possui nenhuma vantagem sobre o rico, o feio sobre o belo, o doente sobre o são, o burro sobre o inteligente. 

Evidente que àqueles a quem a natureza dotou de dons e a sorte foi mais favorável não têm do que reclamar. Afinal, se todos tem que passar pela vida, temos que viver, que lucro há em termos uma passagem dolorosa, difícil, cheia de privações, dores e dificuldades, se outros tem uma passagem pelo mundo mais agradável, suave e tranquila? Quem aproveita mais a viagem: os que estão na primeira classe ou na terceira? Creio que não é necessário responder.

XI 

Toda vez que vejo uma mulher grávida, com um recém-nascido nos braços ou mesmo uma criança pequena, fico pensando no que a pobre criatura terá que enfrentar. Assim como há anos atrás não imaginava que tramavam contra ela planejando colocá-la no mundo, ela tampouco imagina o que lhe espera quando crescer. É bom que não desconfie, pois pelo menos em seus primeiros anos é lícito desfrutar de paz, já que quando for mais velha, isto não será possível...Se alguém não for feliz na sua infância, em qual outra fase da vida será? 

Nós que já crescemos sabemos o que acontecerá. Conhecemos o desenrolar da história, e dificilmente diremos que um futuro glorioso os espera, a menos que não sejamos honestos. 

Pobre do pai ou mãe que espera colocar um gênio no mundo! Que sonha que seu filho se tornará grande, que contribuirá com o progresso de seu país e o enriquecimento cultural da humanidade! Como os pais tendem a superestimar os filhos, é natural que pensem assim. Acontece, porém, que entre desejar algo e obter o que se deseja, há uma enorme diferença. 

Os pais que criam grandes expectativas para seus filhos, demonstram antes de mais nada sua ignorância quanto à individualidade dos mesmos, e ainda uma visão distorcida da realidade. Que um pai deseje o melhor para a sua cria é perfeitamente compreensível, mas que o mundo queira dar esse melhor à ele, que consiga alcançá-lo é outra coisa. 

Acredito que muitos pais se arrependem de ter tido filhos quando vêem que estes não estão trilhando o caminho que sonharam para eles ou estão sofrendo, sendo impossível ajudá-los em suas aflições. Poucos pais teriam coragem para admitir isso, mas a insensatez do ato reprodutivo só vem à tona quando finalmente os "projetos" falham, e por alguma razão interna ou externa não alcançam o resultado esperado. Um pai jamais pedirá perdão ao filho pelo erro de tê-lo colocado no mundo, mas se compadecerá fortemente quando o vir passando por dificuldades e sentirá o seu grau de culpa (ainda que indireto) nisso. 

Não vale a pena gerar uma nova vida quando se sabe de antemão o que o novo ser terá que passar. Ter filhos é o mesmo que dizer que achamos a loucura da vida, a maldade do mundo e o sofrimento inútil como coisas normais. É compactuar com um crime, é ser cúmplice da dor e patrocinador do sofrimento. É contribuir indiretamente com tudo isso, tendo por base apenas um capricho egoísta e desnecessário. A única maneira de não passarmos esta bomba para frente, este peso, esta carga que é viver e esse problema que é existir, é não tendo filhos! Custa muito entender isto? É tão difícil morrer sem deixar descendentes? Por quê essa ânsia de procriar-se, esse desejo infundado?

Que um animal se reproduza é compreensível, o instinto os impele à isso, o que não admito é que os homens tenham filhos apenas por ter, que tomem uma decisão tão séria e crucial sobre a vida de outra pessoa sem sequer refletir antes. Isto me indigna sobremaneira, me enche de raiva! Se tudo o que fazemos devemos pensar bem primeiro, pesar as consequências, o que dizer de uma decisão envolvendo a vida de outra pessoa, sem o seu consentimento? 

Nós que já nascemos e estamos aqui sabemos bem o que acontecerá com a nova criatura que está por vir. Temos consciência das lutas que terá que travar, dos dilemas que terá de lidar, das injustiças que sofrerá e de tudo que experimentará. Se mesmo assim decidimos ter filhos sabendo de todo o sofrimento e dor que eles enfrentarão, estaremos nos responsabilizando por isso. Seremos culpados das angústias do novo ser, seremos partícipes da sua infelicidade! 

O fato de que não tenhamos podido evitar o nosso próprio nascimento não justifica que tomemos friamente a decisão de ter filhos. Isto é, o nosso nascimento é algo que não estava no nosso controle, mas o de outrem está. Eu não pude escolher se queria ou não nascer, mas agora que estou aqui e sei bem como a vida é, posso pensar se quero ou não continuar com isto, tenho o poder de decidir. Posso muito bem parar essa corrente insana usando a razão e o bom senso, ignorando um irracional instinto biológico que trará consequências negativas à outra pessoa a longo prazo.

XII 

A única coisa que iguala os homens é a morte. Isto é o que todos têm em comum. As condições de cada um, os obstáculos, os desafios, assim como as experiências, são completamente diferentes. Não há justiça na vida nem igualdade na raça humana! Embora a vida seja uma guerra que todos são convocados a lutar, nem todos entram no conflito preparados, muitos já vêm desprotegidos, frágeis, em desvantagem. Mesmo assim tem que lutar, pois nada vem de graça, a não ser os problemas que nos alcançam sem precisar fazer nada, nos atingem apenas por existirmos! 

É muito comum compararmos a nossa vida com a de outros, principalmente quando estamos insatisfeitos. Mas nos esquecemos que não somos a outra pessoa, somos nós mesmos, gostemos ou não. O outro não teve a educação que eu tive, não teve as mesmas oportunidades, não passou pelas mesmas experiências e tampouco vê a realidade da forma que eu vejo! Toda vez que me sinto tentado a me comparar com o outro que aparenta estar melhor do que eu, acabo me esquecendo disso e sofro. Não deveria ser assim. O que o outro têm em comum comigo é o fato de estar na mesma precária condição, exposto aos mesmos perigos, lutando pelas mesmas coisas e tendo problemas similares, apenas isso. Para que eu pudesse me comparar com ele ou permitir ser comparado, precisaríamos ter tido histórias idênticas, mas não é assim. Cada um têm uma história de vida que em nada se iguala a do outro, é única, por mais parecida que seja. 

Da mesma forma que não devo me comparar ao outro, também não posso dizer que o entendo realmente. Eu até posso ter uma noção do que ele sente se já tiver passado pela mesma situação, mas nem assim poderei compreendê-lo com exatidão. O que para mim pode não ser nada, para outro pode ser o fim do mundo, o fim da linha, a gota d' água. Eu precisaria ver as coisas da forma dele, pela ótica dele, pensar como ele, para saber realmente como ele se sente...Mas claro que eu não posso ser outra pessoa e ninguém pode ser eu, por isso comparações são incorretas, e minha empatia, por maior que seja, nunca alcançará a dimensão do tamanho da dor do outro. 

Sendo assim, não há um padrão na vida. Nem mesmo na morte há! As diferenças já começam no nascimento, com uns nascendo em melhores condições que outros, percorre a vida através das diferentes experiências (boas ou ruins) que todos passam em ordem/quantidade alternada e desigual, e termina na morte, quando uns morrem jovens e outros velhos, uns têm uma vida curta e triste, outros uma vida longa e feliz. Uns conseguem o que querem com grande facilidade e espantosa rapidez, alguns demoram mais e outros não conseguem nunca. Uns colecionam vitórias, outros fracassos. Uns vão de conquista à conquista, outros de desgosto à desgosto. Um é atingido por um raio, enquanto outro acerta na loteria...

Toda experiência é única para cada pessoa, assim como a própria vida que é de fato uma só, pois só se vive e morre uma vez. Você só terá a idade que têm (seja ela qual for) uma vez. Você só viverá tudo o que vivenciar uma vez, não poderá reviver tudo o que aconteceu por mais que queira. Tudo o que passou é algo que já não existe e que sobrevive apenas na nossa memória. O prazer tão logo se acaba parece nem ter acontecido, precisamos renová-lo constantemente pois nos esquecemos do que sentimos assim que a agradável sensação chega ao fim. Há pessoas que nunca mais voltaremos a ver, serão apenas fantasmas em nossas recordações, ficarão, se muito, registradas em uma simples foto. O presente minuto que você gastou lendo isso não voltará mais, assim como os anos que já se passaram, quer tenham sido bem vividos ou não. 

Não se vive como se quer, mas como se pode. Se dançar conforme a música é a nossa sina, temos que aprender a apreciar a melodia! Percebe-se que quanto mais bem ajustado, conformado e alinhado com as exigências desse mundo e as metas dessa vida um sujeito estiver, melhor lhe será. A arte da sobrevivência, a socialização, a sedução, a aprendizagem, quanto mais desses recursos um homem dominar, melhor irá e mais fácil e leve lhe será a vida. 

O que domina a arte de viver, é o maior de todos os artistas. Inteligente é quem sabe ganhar dinheiro, diz meu querido pai. Aquele que está muito ocupado vivendo não têm tempo para refletir sobre a vida! Melhor assim, assim deve ser! Temos que compactuar com a torpeza da vida, a banalidade dos homens e rirmos de nossas misérias! 

Nossas ações, por mais incríveis que sejam ou possam parecer, são apenas reações que tomamos sem perceber ao que nos é pedido, não notamos nossa caricata maneira de se comportar, quando estamos agindo em conformidade ao que nos é exigido. 

Nossas ações não passam de espasmos, Espasmos da mediocridade.