quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Bílis negra

Entre as brumas e pétalas de flores invernais, 
recordo-me das sumas lágrimas que derramei
nas solitárias noites outonais.

Só, me debrucei, lamentando pesares 
que hoje não sei.
Meus penares secretos 
segredos não são, 
mas eu nunca os contei.

Cercam-me borboletas e insetos, 
num teatro de facetas surreais.
Sonham os seres nos muros das paredes marginais.

Sou a parte de um todo,
de um todo desigual.
Nesse desigual sou tudo,
um agitador mudo,
um sonho de carnaval.

Noite, acalma minha alma!
Disfarça minha tristeza,
em seu negror traze-me a calma!
Meu peito grita de pavor,
meu corpo se retrai.

Quero ser uma estrela fixa nesse céu, ocultar-me na noite que nunca trai...

Um cavalo corcel é o coração humano, 
fonte de emoção, riso, dor e dano...

No turbilhão dos ventos quero me encontrar, 
talvez nele esteja a paixão (ânsia de viver)
que pelos ares um dia vi voar!

sábado, 14 de dezembro de 2024

Dezembro

Caminho pelas ruas citadinas, vejo
entre as janelas das vidraças, 
decorações natalinas 
nas casas, becos e praças.

A chuva que cai 
lava a alma 
que cansada vai,
revivida calma.

Os pinheiros renovam a esperança 
que um dia tivemos,
dos pedidos que quando crianças fizemos 
ao Papai Noel.

Olhamos para o céu 
esperando ele chegar.
Mas ele não veio,
esperamos até a lareira quente se apagar.

Vamos ajudar os pobres e necessitados pelo menos dessa vez!
Pena que esta ação nobre aos desolados não se faça 
todo dia, semana e mês...

Breve um novo ano se aproxima 
e vai trazer novas promessas, 
como esse que termina.

Juntaremos as peças 
que se espalharam pelo chão.
Vamos cear juntos, nós que não nos víamos, nos reuniremos nesta ocasião.

Comeremos até nos fartar 
e trocaremos presentes.
Vamos celebrar o natal, 
enquanto esperamos o carnaval sorridentes...

E lá no pequeno presépio
está o verdadeiro Senhor, 
discreto em meio a tantos enfeites, festas e deleites, 
do seu olhar emana amor,
paz e luz.
Com seu olhar, se compadece de nós o menino Jesus!

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O amor não existe

O amor não existe. É uma ilusão idiota criada pela carência, fruto da necessidade de dois corpos de se unirem, é simplesmente o desejo sexual sistemazido em um discurso sentimental e supérfluo. Como um homem pode amar perdidamente uma mulher que nunca viu na vida (até conhecê-la), que não têm o seu sangue nem é nada dele? E igualmente, como pode a mulher amar um homem assim? O amor verdadeiro é o dos laços sanguíneos, que faz com que a mãe defenda com unhas e dentes a sua cria, a cria se sinta mais próxima da mãe/pai do que de qualquer outro ser nesse mundo feroz. O mesmo vale para os irmãos, são os únicos iguais que realmente temos em meio a tantos estranhos.

A sociedade se construiu na base do interesse, e o interesse é o que move o mundo, bem como a necessidade. Sem eles nada existiria, e o que existisse não teria duração. Na antiguidade os príncipes se casavam com as princesas que melhor lhes atendiam a seus interesses pra formarem reinos sólidos. Por muito tempo foram feitos casamentos por conveniência entre as famílias visando a união dos bens/patrimônios de ambas. O homem dá a mulher o que ela quer: proteção e um nome. A mulher dá ao homem o que ele precisa: filhos, sexo e um lar. Tudo isto também reforça o status social de ambos, a descendência e de uma maneira geral, a perpetuação da espécie. O casamento é a base da sobrevivência da sociedade e da espécie, e não o amor.

O amor romântico é um sentimento tão abstrato que é difícil de ser definido. E por ser assim, ele parece não existir. Tudo encaminha pra que seja uma ilusão de nossos cérebros, que através do maquiavélico mecanismo de recompensa e gratificação que recebe, nos faz sentirmos carentes de outra pessoa e recompensados/completos quando estamos com ela. 

O instinto sexual existe. Ele é real. São raros os seres assexuados na natureza. Não faz parte da natureza humana evitar o sexo. Mas o amor, ele precisa existir para que o sexo aconteça? Não! Isso não ocorre no reino animal, onde o macho e a fêmea se unem durante o cio e se reproduzem. Eles desconhecem o amor! E no entanto copulam. No caso dos seres humanos, é quase igual, quando o homem e a mulher que ainda não foram atingidos pela carência saem em busca de um parceiro(a) pra terem únicamente prazer sexual. Mas quando a carência e a solidão por alguma razão surgem, ou mesmo o instinto reprodutivo brota, essas razões impelem o então galinha e a atual sirigaita a buscarem um cônjuge. E quando encontram, dizem: encontrei o amor!

Nenhuma mulher irá nos amar mais do que a nossa própria mãe. Nenhum homem irá nos amar mais do que o nosso próprio pai. Ninguém terá conosco um vínculo tão forte quanto um irmão de sangue, ou um filho(a). As amizades podem existir se forem verdadeiras, e quando ocorrem genuinamente, podem até ser mais fortes do que o vínculo que temos com nossos parentes. Mas o amor homem/mulher não pode existir realmente pois sempre estará atrelado a vários fatores: status social, necessidade de ter descendentes, carência, solidão, um ego que precisa ouvir palavras bonitas para ser massageado (enquanto repete os mesmos discursos pra continuar ouvindo mais), desejo sexual e a natural vontade de satisfazê-lo, atração física (muitas vezes confundida com "amor"), e até mesmo interesses financeiros e pessoais. 

Se o amor romântico pudesse existir sem estar de alguma maneira vinculado a esses quesitos (que inclusive são inconscientes), o "amor" seria verdadeiro. Só amamos alguém porquê queremos nos beneficiar daquela pessoa de alguma forma, e ela de nós. Se não fosse assim, os pobres, deficientes, os desasjutados sociais, os marginalizados em geral, teriam muito mais sorte no amor.

O fato de eles não terem demostra que todos somos produtos, e como tal só são escolhidos os melhores, os que de alguma maneira podemos tirar proveito ou nos são agradáveis. O amor entre o homem e a mulher só seria real se pudesse ser vivido sem a atração sexual que o gera, mas se fosse assim, não seria amor, seria amizade. E se não pode haver essa amizade entre os sexos sem o desejo, então não é amor, é necessidade sexual travestida de outro nome. Simples assim.

O amor entre o homem e a mulher é simplesmente um amor genital. O amor romântico não existe.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

A frustação de ser adulto

Toda criança sonha em ser adulto um dia. E todo adulto, se pudesse, gostaria de voltar a ser criança. Parece contraditório, não? Mas é a mais pura verdade. Precisamos crescer para saber que estávamos melhor antes. E antes, achávamos que estaríamos melhor depois...

Criados debaixo das mais variadas regras, constantemente corrigidos pelos pais, professores, familiares, tendo que pedir autorização para sair de casa, tendo que dar explicação sobre onde vamos e a que hora voltaremos, além de precisar pedir dinheiro para comprar o que quer que seja, é normal que pensemos que quando formos "grandes" isso mudará. Crescemos com a idéia de que o adulto é um ser livre, independente e soberano, que não obedece a nada nem ninguém, faz o que lhe dá na telha e não têm que dar satisfação. Ledo engano! Ou, como dizem por aí: "Sabe de nada inocente!"

Ao chegarmos na maioridade temos a sensação de que agora somos de fato, senhores de si. Donos de nós mesmos, podemos fazer o que quisermos, quando bem entendermos, sem nos preocupar. Mas o tempo mostra que não é bem assim... Não demora para que tenhamos experiências que nos farão ver o quanto estamos errados. As coisas não são tão simples como pensávamos.

É então que levamos as primeiras portas na cara. Conseguir um emprego não é tão fácil como parece. Sem ele fica difícil pagar a faculdade (a não ser que ganhemos uma bolsa de estudos). Como muitos de nós não nascemos herdeiros, descobrimos o quanto o dinheiro é importante na vida, e como a falta dele pode limitar nossa qualidade de vida e até nossos sonhos. 

Vem as primeiras decepções amorosas! Quem amamos não nos ama, ou a pessoa que amávamos nos trai, decepciona, nos joga pra escanteio. Somos deixados de lado pelos amigos, ou pessoas que pensávamos ser nossos amigos. 

Bola pra frente, estamos trabalhando, mesmo que não seja o trabalho dos sonhos, dá pra viver. Estamos casados, com filhos pela casa, chorando e brincando, enquanto na caixinha de correio o carteiro não pára de entregar as contas do mês. A casa é própria mas têm que pagar as prestações do carro, ou o aluguel está caro e esse mês não vai dar pra gastar muito. Aquela viagem que faríamos nas férias fica pro ano que vem! Ou quem sabe depois?

Voto obrigatório, alistamento, impostos, contribuição pra aposentadoria - pois o cidadão merece descanso. Trabalho, ônibus, metrô lotado, rotina, patrão, demissão, filas, boletos, burocracia, novo emprego, casamento, divórcio, novo casamento, viuvez, velhice, dívidas, asilo, doenças, crise de meia idade, crise da terceira idade, crise!...

Não é preciso muito tempo pra perceber que nada disso é emocionante, e que principalmente, a vida de adulto não é tão boa quanto imaginávamos! Se antes queríamos "ser livres", hoje tudo o que gostaríamos é de estar novamente sob os cuidados de nossos pais, pois ser "dono do próprio nariz" dá muito mais trabalho...Onde está a liberdade de ir onde quiser, fazer o que quiser? Esbarra nas leis, nos custos econômicos, nas oportunidades e ocasiões.

Desde quando ser adulto significa saber exatamente o que se está fazendo e tomar as decisões certas? Eles também têm medo, incertezas, ficam apreensivos e nem sempre agem certo na hora certa. Tem que lidar com suas inseguranças, disfarçá-las, não podem ser vistos chorando pois tem de estar sempre fortes e resolutos, como os antigos monarcas deviam ser vistos pelo povo, a quem impunham respeito e admiração.

Há muita coisa sobre ser adulto que não sabíamos quando tínhamos 8, 9, 10 anos de idade. Víamos apenas a parte "boa", não a totalidade da questão. Se a vida de criança é em geral feita de diversão e poucas obrigações, a de um adulto é basicamente o oposto, muitas obrigações e pouca diversão...

Peter Pan tinha razão em não querer crescer. Ele sempre esteve certo. Talvez ele soubesse desde o começo sobre a frustação de ser adulto.

domingo, 22 de setembro de 2024

El Dorado

Lá, longe, distante, aquém
de onde a vista pode alcançar,
repousa um bem
que um dia espero encontrar.

Seria uma donzela, bela e loura, ou uma cidadela de ouro, que o sol aquece,
e seu brilho reluz, doura?

Este bem é o que ninguém sabe contar.
Se alguém o viu, para si o guardou e não voltou para o partilhar.
 
Longe, distante, além
espero encontrar esse bem
que minha vista não pode alcançar.
Vou buscá-lo, 
hei de encontrá-lo, 
e então contente, descansarei sorridente,
não mais precisarei sonhar.

terça-feira, 28 de maio de 2024

Cavaleiro errante

Sonhei com um castelo de proporções colossais.
Topei com as musas,
tropecei no rastelo 
dos camponeses,
fugi das chamas dos dragões infernais.

Ajoelhei-me ante os reis,
consagrou-me a rainha.
Defendi com sangue suas leis, 
brioso, a espada tirei da bainha!

Cantei trovas, 
celebrei as novas 
descobertas e invenções. 
Submeti-me a católica santa igreja, recebi a hóstia,
escutei os sermões. 

Defendi minha honra em épicos duelos. 
Escapei da masmorra,
desprendi-me da corrente e seus elos.

Balancei-me na gangorra,
dormi ao som das violas!
Vi o que não se vê em muitas escolas...
Sonhei com o castelo  dourado do reino encantado, de um tempo distante! 

Acordei de repente,
despertei sorridente, 
do meu sonho vibrante.
Oh doce quimera! 
Das bruxas, sórdida magia!
Sem armas e escudo,
resoluto e mudo eu ia...
Eu era cavaleiro errante!

domingo, 19 de maio de 2024

Perplexo

Quando minh' alma
perplexa contempla o infinito do céu estrelado
e o luar bonito;
Quando o ser humano 
é o melhor e o mais cruel dos seres, quando o ódio é consumidor 
e o amor triunfa sobre a dor,
quando sou uma poeira no vasto universo 
mas também uma obra de Deus, perplexo fico.

Quando o bem e o mal se opõem mas nunca se separam, nada entendo. 
Quando loucura e razão, 
vida e morte, amor e ódio, paz e guerra, seca e chuva, mar e terra, se unem e se separam, se odeiam e se gostam, 
me confundo.

Ó Senhor, que é a vida sem ti? 
Se não dor, angústia e sofrimento? 
Porquê é perverso o mundo dos homens!
Como numa cadeia alimentar o mais forte subjuga o fraco, sempre, 
direto, inevitavelmente. 

E neste jeito vamos, como numa batalha tremenda. 
Porque da vida nada sei,
só sei o que posso e talvez acha que saiba
o que não entenda. 
Por que abortado não fui, essa sorte (oh! que pena) essa sorte não tive.
Mas já que no mundo estou, 
caminhando para frente eu vou, enquanto perplexa, perplexa minha alma vive!