sábado, 14 de novembro de 2020

O homem que não trabalhava

Desperta mais um dia 
sob a luz matutina. 
Não sabe para onde ir 
nem o que fazer, 
sua rotina é não ter rotina. 

A cabeça está cheia 
e a carteira vazia. 
Falta-lhe dinheiro até pra uma meia, 
que dirá para aquela peça 
que na vitrine viu 
e comprar tanto queria! 

Sai para entregar seu currículo,
na primeira empresa que aparecer. 
O que vier serve, 
repositor, faxineiro, frentista, não pode escolher. 

Fica atento ao telefone 
como um fã no aguardo do artista. 
Não pode crer que sua espera é vã, 
não vão chamá-lo à uma entrevista. 

Cada dia de ócio
é um péssimo negócio, 
desperdício de um bem 
tão importante e precioso, 
o seu tempo valioso. 
Lhe dói passar cada instante 
numa inércia angustiante.

Tenta convencer-se de que tudo isso vai passar 
e que sua hora vai chegar. 
Esquiva-se de amigos e parentes, 
sabe que irão perguntá-lo 
sobre sua situação, 
irão lhe indagar, mas não ajudar.

Passa a maior parte do tempo em casa, 
triste e desanimado. 
Embora saiba que não é o único neste quadro, 
o sentimento de culpa persiste, permanece angustiado. 

Surge uma oportunidade, ele levanta-se, vai atrás, todo empolgado. 
Comparece à entrevista, 
faz o melhor que pode. 
Dias depois recebe uma ligação, 
ansioso atende,
crendo ter sido selecionado. 
Mas não é o que pensava, 
sem explicação, fora rejeitado. 

O homem se entristece, 
o semblante empalidece. 
Percebe que sua dor não é só um momento. 
Desiste de procurar aquilo 
que sabe que não vai encontrar, cai no desalento. 

As horas se transformam em dias, 
os dias em semanas, 
as semanas em meses, 
os meses em anos. 
Muitas vezes, de lágrimas
 se adornam
esses tempos que se perdem e não retornam, as horas livres e insanas. 

O homem se desconhece, 
já não sabe mais quem é. 
Seu corpo enfraquece, 
sua mente enlouquece, 
entra em crise de identidade, e no futuro perde a fé. 

Olha para a janela, 
vê o movimento da cidade. Sente-se perdido, 
abandonado e excluído. 
É mais uma segunda-feira, para muitos um dial normal e patético, mas não para ele, um desempregado. 

Ele resigna-se à seu triste estado. 
O homem então aceita sua nova realidade,
tornara-se um animal doméstico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário