terça-feira, 16 de outubro de 2018

A dupla natureza de Cristo

Há na cristandade uma pequena corrente de pensamento que diverge da crença tradicional e bíblica da dupla natureza de Cristo (humana e divina). Para estas pessoas, é impossível que Jesus fosse 100% homem e 100% Deus enquanto esteve na terra, pois eles consideram simplesmente inconcebível tal conceito, e alegam também que se Jesus não tivesse se despojado totalmente de sua divindade, não poderia ser um ser humano como os demais, o que, segundo eles, afetaria sua total encarnação. Vejamos, contudo, como a Bíblia é clara em ensinar, de forma mais ou menos explícita, a dupla natureza de nosso Senhor Jesus.

As passagens que citam os que negam a divindade de Cristo na terra, são textos onde supostamente se ensina que Jesus se despojou totalmente da sua divindade, e que só iria recuperá-la novamente depois da sua ressurreição e ascensão aos céus, ou seja, ele seria um homem na terra, mas voltaria a ser Deus quando acendesse aos céus. Para os que crêem assim, como já dissemos, foi isto que aconteceu, Cristo teria sido um simples homem como todos, com a diferença que era cheio da presença de Deus e os milagres dele eram realizados pelo poder do Espírito Santo, não por sua natureza de Deus.Vejamos uma destas passagens:

Atos 10:38 Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo porque Deus era com ele.

Essa passagem não nega a divindade de Cristo na terra, o fato de que o texto diga que Jesus foi ungido com o Espírito Santo e virtude, não significa que ele não fosse homem e Deus. Como homem Jesus dependia do Pai, assim como nós, embora ele e o pai sejam um (Jo 10:30), ele obviamente orava à Deus e o Pai pelo seu Espírito operava maravilhas, assim como acontece hoje com os crentes. Contudo, como filho de Deus encarnado, Jesus respeitou sua condição humana e não usou dos poderes de sua divindade para seus próprios interesses, antes, com o auxílio do Espírito Santo, operava os milagres para o bem de todos (Jo 5:36, 8:28, 11:4, 42). Jesus não estava na terra para cumprir sua própria vontade, antes para servir e cumprir a vontade daquele que o enviou (Mt 20:28, Jo 6:38), assim, ele nos deu o exemplo em tudo, e com sua obediência perfeita ao Pai e o Espírito Santo que nele estava, operou maravilhas e glorificou o Pai (Jo 5:30, 8:54, 14:10-11). Além de não negar a divindade de Cristo na terra, esta passagem de Atos nos mostra o perfeito trabalho e unidade da Trindade na vida de Cristo e seu ministério, pois diz: "Como Deus (Pai) ungiu a Jesus de Nazaré (Filho) com o Espírito Santo e com virtude..." A Trindade está harmonicamente presente na obra da salvação, do começo ao fim da vida e ministério de nosso Senhor (Mt 3:16-17, Rm 8:11).

Filipenses 2:6 "Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, 7 Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; 8 E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz."

Este é o principal texto que usam os que negam a divindade de Cristo e sua dupla natureza. Eles se agarram de forma literal e radical ao verso 8, e crêem que o apóstolo Paulo ensinou que Cristo era só homem quando esteve entre nós, contudo se esquecem do verso anterior que diz que foi feito "semelhante aos homens". Isto obviamente mostra que não era igual em tudo, já que além de nascer de uma virgem (Mt 1:18) ser filho de Deus (Lc 1:35, 2:49), ele não tinha pecado e também não era um simples homem como os demais (Mt 8:27). O contexto da passagem de Filipenses 2:5-11 está falando da encarnação de Cristo, da sua preexistência, divindade, sua obediência e submissão ao Pai e sua exaltação por Deus. Em momento algum nega sua divindade na terra, mas esclarece que ele encarnou de fato, o que refuta as alegações da seita dos gnósticos daquele tempo que negavam isso (Fp 2:8, Jo 1:14, 1 Jo 4:2). Mostra como Cristo foi submisso à vontade do Pai, procurando obedecê-lo plenamente, ainda que fosse da mesma condição divina (Fp 2:6, Mt 26:42) e como se submeteu a uma morte extremamente dolorosa, sendo depois glorificado pelo Pai, e tornando-se salvação à todos (Jo 12:27-30, At 10:36-42, Hb 1:1-4, Hb 5:7-10, Ap 5:12). Não há nenhuma negação da dupla natureza de Cristo na terra, antes, essa bela passagem nos mostra sua divindade, preexistência, encarnação e exaltação, sem contudo negar suas duas naturezas, humana e divina.

Vejamos, agora, alguns indícios de que Jesus não poderia ser um mero homem que simplesmente operava milagres pelo poder de Deus, mas que era mais do que isso, pois fez coisas que somente Deus pode fazer, e Cristo as fez com sua própria autoridade, ou seja, sem a necessidade de orar ao Pai como fariam os apóstolos ou seus servos atuais se quisessem executar estes mesmos sinais.

Marcos 4:38 E ele estava na popa dormindo sobre uma almofada, e despertaram-no, dizendo-lhe: Mestre, não se te dá que pereçamos? 39 E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve grande bonança. 40 E disse-lhes: Porque sois tão tímidos? Ainda não tendes fé? 41 E sentiam um grande temor e diziam uns aos outros: Mas quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?

É interessante notar que não vemos qualquer vestígio de que Jesus tenha orado ao Pai para acalmar a tempestade. Ao contrário, ele acordou e rapidamente repreendeu o mar e o vento, que lhe obedeceram instantaneamente, deixando maravilhados os discípulos que viram isso. Naturalmente que acalmar o mar e o vento com sua palavra é bem fácil para aquele que os criou (Jo 1:3, 10).

Salmos 107:25 "Pois ele manda, e se levanta o vento tempestuoso, que  eleva as suas ondas. 26 Sobem aos céus, e a sua alma se derrete em angústias. 27 Andam e cambaleiam como ébrios, e esvai-se-lhes toda a sua sabedoria. 28 Então, clamam ao Senhor na sua tribulação, e ele os livra das suas angústias. 29 Faz cessar a tormenta, e acalmam-se as ondas. 30 Então, se alegram com a bonança; e ele, assim, os leva ao porto desejado."

Jesus, como homem na terra, fez estas coisas que no Antigo Testamento são atribuídas à Jeová, o Pai de Jesus. No Evangelho de Marcos vimos como Jesus acalmou o mar com sua palavra, depois que seus discípulos o acordaram e clamaram socorro, e logo fez-se bonança, tal como o Salmo 107 diz que Jeová faz com os marinheiros, usando de benignidade para com eles. Vamos analisar outras passagens à luz do Antigo Testamento em que Jesus, como homem, traz em si mesmo atributos que pertencem só a Deus.

Salmos 146:5 Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacob por seu auxílio e cuja esperança está posta no Senhor, seu Deus, 6 que fez os céus e a terra, o mar e tudo quanto há neles e que guarda a verdade para sempre; 7 que faz justiça aos oprimidos; que dá pão aos famintos. O Senhor solta os encarcerados; O Senhor abre os olhos aos cegos; o Senhor levanta os abatidos; o Senhor ama os justos;

Mateus 14:19 E tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a erva tomou os cinco pães e os dois peixes, e erguendo os olhos ao céu, os abençoou, e, partindo os pães, deu-os aos discípulos, e os discípulos à multidão. 20 E comeram todos, e saciaram-se; e levantaram dos pedaços que sobejaram, doze alcofas cheias. 21 E os que comeram foram quase cinco mil homens, além das mulheres e crianças.

Mateus 20:32 E Jesus, parando, chamou-os, e disse: Que quereis que vos faça? 33 Disseram-lhe eles: Senhor, que os nossos olhos sejam abertos. 34 Então Jesus, movido de íntima compaixão, tocou-lhe nos olhos, e logo viram; e eles o seguiram.

Jesus fez duas coisas que o Pai faz: saciar com pão os famintos e abrir os olhos dos cegos.

Marcos 2:4 E, não podendo aproximar-se dele, por causa da multidão, descobriram o telhado onde estava, e, fazendo um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico. 5 E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico: Filho, perdoados estão os teus pecados. 6 E estavam ali alguns dos escribas, que arrazoavam em seus corações, dizendo: 7 Porque diz este assim blasfêmias? Quem pode perdoar pecados, senão Deus? 8 E Jesus, conhecendo logo em seu espírito que assim arrazoavam entre si, lhes disse: Porque arrazoais sobre estas coisas em vossos corações? 9 Qual é mais fácil? dizer ao paralítico: Estão perdoados os teus pecados;  ou dizer-lhe: Levante-te, e toma o teu leito, e anda? 10 Ora para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder para perdoar pecados (disse ao paralítico), 11 A ti te digo: Levante-te, toma o teu leito, e vai para tua casa. 12 E levantou-se, e tomando logo o leito, saiu em presença de todos, de sorte que todos se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: Nunca tal vimos.

Isaías 43:25 Eu, eu mesmo, sou o que apaga as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados me não lembro.

Salmos 32:1 Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. 2 Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano.

É Deus quem perdoa pecados, e Jesus também perdoou pecados quando esteve na terra, inclusive foi acusado de blasfêmia por isso, o que obviamente não tem sentido, pois ele é o próprio Deus, e tinha toda autoridade para fazê-lo.

João 2:24 Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia; 25 E não necessitava de que alguém lhe testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem.

Salmos 139:1 Senhor, tu me sondaste e me conheces. 2 Tu conheces o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento; 3 Cercas o meu andar e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos. 4 Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces.

João 16:30 Agora conhecemos que sabes tudo, e não hás mister de que alguém te interrogue. Por isso cremos que saíste de Deus.

Salmos 44:20 Se nós esquecermos o nome do nosso Deus e estendermos as nossas mãos para um deus estranho, 21 porventura, não conhecerá Deus isso? Pois ele sabe os segredos do coração.

João 21:17 Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo.Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.

1 João 3:20 Sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que os nossos corações, e conhece todas as coisas.

A onisciência é claramente um atributo divino, e Jesus, o filho de Deus tinha esse atributo já como homem na terra.Jesus também conhecia muito bem o futuro, assim como o Pai conhece.

João 6:64 Mas há alguns de vós que não crêem. Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os que não criam, e quem era o que o havia de entregar.

João 13:11 Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: Nem todos estais limpos.

Isaías 46:9 Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim; 10 que anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade;

Além de saber de antemão que seria traído por Judas Iscariotes, Jesus também previu o futuro, as coisas que ocorrerão no fim dos tempos, como vemos no sermão profético de Mt 24-25 com paralelos em Mc 13 e Lucas 21.

Jesus também foi servido pelos anjos (Mt 4:11) que são servos de Deus (Sl 103:20-21, 148:2), ele conhecia os pensamentos das pessoas (Mt 12:25, Lc 5:22, 6:8, Jo 16:19), sabia perfeitamente a vida da mulher samaritana com a qual nunca tinha se encontrado antes (Jo 4:15-19), sabia onde Natanael esteve antes que Natanael fosse vê-lo (Jo 1:45-51), caminhou sobre as águas do mar (Mt 14:24-33), fez "brotar" um estater da boca de um peixe (Mt 17:24-27), secou uma figueira (Mt 21:18-22) como Deus faz (Sl 107:33-34), escapou de um apedrejamento simplesmente atravessando no meio dos judeus furiosos (Lc 4:28-30), a mulher que tinha fluxo de sangue foi curada pelo simples toque dela em Jesus, do qual saiu virtude (Lc 8:47-50),  previu que Pedro o negaria (Jo 13:36-38, Lc 22:54-62), os homens que o prenderam recuaram e caíram por terra ao vê-lo no getsêmani (Jo 18:6), entre outras coisas.

Ainda que não possamos comprender com nossas mentes finitas tão maravilhoso mistério, não podemos negar que Jesus tinha estas duas naturezas quando viveu entre nós, humana e divina ao mesmo tempo. Isso em momento algum muda o fato de que se encarnou e se fez totalmente homem, que teve fome, sede, e morreu em nosso lugar. Cristo não usou de seus atributos divinos em benefício próprio, tampouco se despojou totalmente deles, como crêem alguns. Suas duas naturezas subsistem perfeitamente na sua pessoa, em total harmonia, como bem disse o apóstolo Paulo:

Colossenses 2:9 Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade;

Assim que, concluímos que a doutrina da união hipostática de Cristo é totalmente bíblica.

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